O Papa Francisco nos brindou recentemente com uma catequese das mais importantes e desafiadoras para a vida cristã, a liberdade. Falamos tanto da liberdade desde os tempos do iluminismo, século XVIII, sendo considerada um dos pilares da modernidade. O Papa toma a carta de São Paulo (5, 1) aos Gálatas para refletir conosco sobre esse tema: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão”.
Que liberdade é essa que Paulo nos coloca como caminho para superar a escravidão? Esse conceito de liberdade é equivalente ao conceito dado pelos filósofos iluministas do século XVIII? Ou existencialistas do século XX? A resposta mais rápida: não. A liberdade cristã não se situa nessas linhas filosóficas, mas muita gente confunde. Daí a importância da catequese cristã.
Os Reformadores protestantes do século XVI tomaram esse tema também como eixo da teologia. A liberdade entre os reformadores não se referia à liberdade de indivíduos como a filosofia moderna construiu ao longo dos séculos. Não se trata da liberdade de consciência, pois essa nos remete aos sujeitos individuais. A consciência na teologia cristã somente é reconhecida enquanto liberta pela Palavra de Deus.
Então que liberdade é esta que somente é dada pela fé cristã? Isso é o que precisa ser conhecido e reconhecido. É preciso irmos além da dimensão psicológica da liberdade e nos transformarmos em verdade. E não nos submetermos novamente ao jugo da escravidão, pois Jesus é “a fonte da verdade que nos liberta”.
A liberdade cristã está apoiada em dois pilares fundamentais: a graça e a verdade que Cristo nos revela. Portanto, a liberdade cristã pressupõe a fé. Trata-se de uma liberdade que nos é concedida, portanto é graça, pela fé cristã. E assim podemos nos relacionar com Deus como filhos e filhas. Isso é muito bonito de se ver e se viver. Deus não quer uma relação com os homens na situação de escravidão, mas de pessoas libertas. Ou seja, pessoas livres do pecado.
Desde o Antigo Testamento a escravidão do pecado também remete à questão histórica concreta. Deus quer que seu povo seja livre da escravidão dos egípcios e por isso convoca Moisés para conduzir o povo atravessando o Mar Vermelho e o deserto para chegar à terra prometida. A liberdade cristã assim apresentada pela Sagrada Escritura é histórica. Deus quer se relacionar com seu povo, mas na condição de povo livre.
A liberdade não é um direito adquirido ou conquistado como se defende na filosofia contemporânea. Para a fé cristã a liberdade é um dom e uma herança a ser preservada, cuidada, alimentada, fortalecida.
O apóstolo Paulo alerta a comunidade que com o conhecimento e aceitação da verdade de Cristo não tem nenhum cabimento deixar-se atrair por propostas enganosas que levam novamente para a escravidão do pecado e do legalismo. Até hoje tantos cristãos se refugiam no legalismo casuístico submetendo-se novamente ao jugo da escravidão. Trata-se de superar o jugo do homem livre em face do templo, do sábado e das formas rituais e religiosas que vão se acumulando ao longo da história e que não tem amparo no Evangelho de Jesus.
Paulo alerta de maneira bem explícita dizendo que alguns “falsos irmãos” estão se intrometendo na vida da comunidade, espiando tudo, especialmente a liberdade que eles adquiriam em Cristo com um único objetivo, reduzi-los à escravidão. Então toda pregação que impede a liberdade em Cristo jamais será evangélica. Poderia ser até alguma ideia religiosa do passado, mas não é evangélica.
O Papa então esclarece que “nunca se pode forçar em nome de Jesus, não se pode fazer de ninguém um escravo em nome de Jesus que nos liberta. A liberdade é um dom que nos é dado no batismo”. E Paulo completa de maneira claríssima: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á”. Precisamos também ficar atentos à armadilha política que usa esse versículo bíblico para o exercício da dominação, da escravidão.
Em abril de 2018, numa Celebração Eucarística na Capela Santa Marta, o Papa Francisco perguntava se somos livres para seguir Jesus, se somos livres das paixões, das ambições, da moda. Para ele, o mundo atual fala demais de liberdade, mas é sempre mais escravo.
Toma como exemplos Gamaliel que era fariseu e doutor da Lei, que convence o Sinédrio a libertar Pedro e João e Pilatos diante de Jesus e Barrabás. O primeiro é um homem livre que faz o seu trabalho de maneira tranquila. O homem livre não tem medo do tempo, pois acredita na ação de Deus. O homem livre é paciente, expressando assim sua profunda liberdade. Pilatos, ao contrário, não conseguiu resolver o problema que tinha em suas mãos porque não era livre, estava preso à promoção, ao lugar que ocupava; era escravo do carreirismo, da ambição, do seu sucesso pessoal. Enfim, era escravo de si mesmo, de sua própria imagem.
Por fim, a liberdade cristã que se conquista com a libertação do pecado não está isolada da fé cristã que nos coloca numa relação filial com Deus e não de servos, de escravos. Para isso basta uma vida vivida conforme a vontade de Deus. A referência central é a Cruz de Cristo. Trata-se do lugar onde somos despojados de toda liberdade, ou seja, a morte. Jesus realiza sua plena liberdade ao despojar-se na cruz, ao entregar-se à morte, conforme nos ensinou o Evangelista João, pois “o Pai me ama, porque dou a minha vida para a retomar” (Jo 10, 17). Foi assim pela Cruz que Jesus obteve a vida para todos nós, a plena liberdade.
Edebrande Cavalieri