Celebramos há poucos dias o décimo aniversário do pontificado do Papa Francisco e, entre tantos desafios, podemos considerar com certeza que sua convocação da Igreja para o caminho sinodal tem um destaque central em todos esses anos e não apenas quando convocou o Sínodo dos Bispos que será concluído nesse ano no mês de outubro em Roma. Mas isso não é algo novo na Igreja como algumas pessoas consideram ou apenas uma dimensão do magistério do Papa Francisco. Na verdade, ele está convocando toda a Igreja para um retorno às origens da própria Igreja, ao modo como as comunidades eclesiais viviam nos primeiros séculos de sua história.
Antes de sua eleição, ele fez um pequeno discurso de cinco minutos para os colegas do conclave a respeito do perfil que deveria ter o novo papa. E foram aqueles pontos breves, descritos em poucas linhas, que moveram a decisão de cada um dos eleitores a escolher Mário Bergóglio como novo papa. Ele dizia que o escolhido deveria ajudar a Igreja “a sair de si mesma e ir às periferias geográficas e existenciais”, que ajudasse a sair de si mesma, pois quando fica autorreferencial adoece acreditando possuir luz própria fundamentada num “narcisismo teológico”. A Igreja deveria escolher naquele momento um homem que, a partir da “contemplação e adoração de Jesus Cristo” ajudasse a Igreja a ser “mãe fecunda” que vive da “doce e confortadora alegria de evangelizar”.
Foi esse caminho que Francisco trilhou em dez anos ajudando a Igreja num amplo processo de escuta do povo de Deus e não apenas das autoridades eclesiásticas, na “busca de um discernimento, à luz do Espírito Santo, ouvindo o que esse mesmo Espírito diz à Igreja”. Essa metodologia está ajudando o povo de Deus em cada Igreja particular na caminhada eclesial buscar superar seus antagonismos, suas polarizações.
Temos que reconhecer que em muitos lugares, muitas comunidades eclesiais, vivem verdadeiros cismas, divisões, trazidos do mundo sócio-político. Em muitas dioceses do mundo inteiro foram convocados sínodos diocesanos utilizando essa mesma metodologia. Com isso, as comunidades vão superando seus clericalismos entrando num clima bem mais sereno de ouvir o que o Espírito Santo tem a dizer e não como alguns (padres, bispos e leigos) estavam fazendo impondo suas ordens e decisões. Através do processo de escuta as pessoas vão se envolvendo cada vez mais deixando de ser “massa de manobra eclesial”, característica da cristandade triunfalista e restauradora.
A partir da síntese da escuta realizada na arquidiocese de Vitória, da escuta das comunidades, os dois males que atrapalham mais ao nosso ser Igreja são o clericalismo e as polarizações, divisões herdadas da polarização social. O Papa Francisco nos diz do risco de se cair num “mundanismo espiritual” achando que todo postar-se de joelhos para qualquer proposta seja expressão de fé cristã verdadeira.
As visões diferentes que entraram nas comunidades estão levando para divisões em função de posturas dogmáticas, radicais, fundamentalistas. As diferenças sempre existiram na Igreja, porém deveriam ser conduzidas como contribuições na busca de uma compreensão maior tendo por objetivo a busca de um caminho comum, e não a exclusão do outro, a ruptura da comunidade.
Essa retomada do Concílio Vaticano II em vista de um retorno às origens mediante o caminho sinodal é a chave para uma Igreja que quer promover a justiça, a solidariedade e a paz. Trata-se de uma “diaconia social”, um serviço ao mundo como luz e sal da terra, que se volta para as periferias, em favor dos mais pobres. Em tempos de revitalização dos diversos tipos de autoritarismo e regimes tecnocráticos, a Igreja convoca para um olhar de misericórdia, para um caminhar juntos, para um perdão sem medida e não a vingança desmedida.
Os cinquentas anos da realização do Concílio Vaticano II nos mostram que as grandes demandas e necessidades da Igreja não estão mais na definição da doutrina como tantos pregam alegando riscos de desvios, mas na necessidade de sinodalidade e colegialidade em todos os níveis. No caminho universal, nacional e local da Igreja. Esse é o chamado do Espírito Santo para a caminhada dos bispos juntos, dos padres e diáconos e de todo o povo de Deus. Quando algum líder religioso, padre ou leigo, se impõe como uma espécie de “dono” da paróquia ou da comunidade, ele está construindo o caminho da ruptura.
Por fim, é preciso registrar que a superação das polarizações e antagonismos seja algo mecânico e rápido. Para se alcançar a sinodalidade necessária é preciso uma constante conversão pastoral e missionária, uma profunda renovação de mentalidade, de atitudes, de práticas e de estruturas. Trata-se de alcançar uma consciência sinodal que nos leve a intensificar a mútua colaboração de todos em vista de uma evangelização a partir dos dons e serviços sem cair num clericalismo de “manda e obedece”. A Igreja então se torna a casa e a escola da comunhão. Sem a conversão pastoral, do coração e da mente, pouco alcançaremos com os instrumentos externos da comunhão. No máximo teremos uma Igreja envolvida em máscaras, sem coração e sem rosto.
Edebrande Cavalieri