INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

22 janeiro, 2024

Desde 2007, no Brasil ficou designado 21 de janeiro como Dia de Combate à Intolerância Religiosa lembrando sempre o Artigo 5, Inciso VI, da Constituição Federal que assegura como “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Mas o que se tem visto na última década é o aumento de práticas de intolerância. Como essas práticas se manifestam?

Os grupos mais visados estão relacionados às religiões de matriz africana como Umbanda, Candomblé, Macumba e religiões indígenas. Temos aqui invasões de terreiros e casas de rezas. Há casos de violências físicas e assassinatos. Também a intolerância se dá com incêndios e depredação de capelas cristãs católicas com imagens de santos sendo pisoteados e destruídos. Cresce também a prática de ofensas e violência física às mulheres muçulmanas, agressões contra judeus e profanação de suas sinagogas, assédio e ofensas contra ateus ou pessoas que confessam outras crenças religiosas. Por fim, com o crescimento evangélico, também tem crescido atitudes que os desqualificam publicamente como pessoas esquisitas, alienadas, ignorantes, vigaristas e charlatães.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, em 2022 houve em torno de 1200 ataques contra pessoas e espaços religiosos qualificados como ações de intolerância religiosa. No ano passado, 2023, foram protocoladas 58 mil ações judiciais nos tribunais brasileiros tendo como motivo práticas de intolerância religiosa. Há inclusive ações contra práticas de “racismo religioso”, em que a motivação está não apenas relacionada à crença, mas também ao preconceito racial. De acordo com o “Relatório sobre Liberdade Religiosa no Mundo”, nos dias atuais a liberdade religiosa é violada em um terço dos países do mundo, onde vivem cerca de 5,2 bilhões de pessoas

É bom registrar que o Brasil conviveu com essa prática nociva ao direito de crença desde o descobrimento. A Bula “Romanus Pontifex” do Papa Nicolau V, assinada em 1454, dava à metrópole portuguesa o direito de empregar todo tipo de força e violência contra aqueles que resistirem aos “planos de Deus” como indígenas, negros, judeus, hereges, mulheres e pagãos. Implantava-se no Brasil uma colônia estruturada como “Padroado” em que a Igreja Católica estaria sob o controle de Portugal. A expansão imperial da Coroa Portuguesa estava ancorada nesse direito garantido pela Igreja Católica. A cristandade brasileira sob o governo português foi marcada o tempo todo por práticas de intolerância religiosa. O antigo lema do Império Romano se mantinha nos tempos modernos: ou crê ou morre. Numa mão a cruz e na outra a espada. Como foi heroica a resistência dos grupos religiosos perseguidos nos engenhos, nas minas de ouro e nas fazendas de café!

Foi e é difícil o caminho para a constituição de uma paz entre as religiões e não religiões.  Temos grande incapacidade e falta de vontade para coexistir, reconhecer e respeitar os diferentes. Continuamos a manter e alimentar preconceitos religiosos e raciais, discriminação nas instituições, inclusive religiosas, segregação, práticas de ódio e de violência. Ainda somos herdeiros e defensores da ideologia da superioridade europeia, branca e cristã. Defensores de práticas decorrentes da religião dominante. O que está havendo entre nós que essas práticas que são antievangélicas, pois não fazem fazer da pregação de Jesus Cristo, crescem e tornam a convivência difícil e com grande sofrimento?

Poderíamos detalhar os elementos que contribuíram e contribuem com a avanço da intolerância religiosa, mas vamos nos ater apenas a dois fatores.

O primeiro fator que ajudou muito no crescimento foi o aumento do fundamentalismo religioso, e nos últimos anos o fundamentalismo com viés político. Ou seja, muitas Igrejas deixaram ser instrumentalizadas pelo poder político que usa os altares para disseminar guerra eleitoral de cunho religioso. Há então candidatos de Deus e candidatos do demônio. Esse discurso atrai votos.

Ao mesmo tempo, o uso de uma leitura fundamentalista do texto sagrado. Essa prática vem de tempos longínquos. O próprio Padre Antônio Vieira em seus Sermões justificava a escravidão negra utilizando textos das Sagradas Escrituras. No Sermão XXVII ele nos diz: “É particular providência de Deus que vivais de presente escravos e cativos para que por meio do cativeiro temporal consigais a liberdade ou alforria eterna”.

O segundo fator que favoreceu enormemente o crescimento da intolerância religiosa está situado na formação de grupos de ultradireita conservadora que projeta uma guerra religiosa contra os inimigos da fé, da família e da pátria. São radicalmente contrários à pluralidade cultural e religiosa. Ao mesmo tempo pregam uma mentalidade apocalíptica restauradora do um suposto “reinado de Deus” e o risco representado por supostos “inimigos da fé”. Numa sociedade baseada ainda fortemente por crenças com baixo grau de educação e instrução, as redes sociais tornarem-se as novas escolas que ensinam o caminho a seguir.

Diante desse quadro duro e sofrido para tantas pessoas, pensamos que a reversão dessa situação passa antes de tudo pela luta em garantir o direito de cada grupo de viver e conviver numa sociedade plural. Trata-se de uma luta por justiça e por direito, garantidos pela Constituição brasileira. Em segundo lugar, não temer as ameaças, registrar e denunciar em órgãos adequados garantidos pelo Estado todo tipo de discriminação, preconceito, violência, ódio, de cunho religioso e racial. Em terceiro lugar, cabe educar a sociedade para a valorização da pluralidade religiosa e cultural em todos os espaços como escolas, Igrejas, salas de catequese e educação cristã, associações, sindicatos e órgãos do próprio Estado.

O Papa Francisco convoca a todos os cristãos e, de modo especial, os católicos para escolherem “o caminho da fraternidade, porque, ou somos irmãos, ou todos perdemos”. Então, a perspectiva de uma coexistência pacifica será sombria se a liberdade de religião ou de crença não for respeitada como um direito humano fundamental baseado na dignidade de cada pessoa.

Edebrande Cavalieri

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