VÍCIOS E VIRTUDES

12 janeiro, 2024

O Papa Francisco retomou no último dia 27 de dezembro, na Audiência Geral, o ciclo catequético tratando do tema dos vícios e das virtudes. Nesse primeiro momento, ele nos diz que “a vida espiritual do cristão exige um combate contínuo”.

Falar de vícios e virtudes nos tempos atuais pode causar espanto e até desdém, pois vivemos numa sociedade basicamente regulada pelo prazer a qualquer custo, a vida sem esforço, numa relação quase absoluta de “salve-se quem puder”. Contudo, a história humana nos revela que a preocupação com o educar para as virtudes sempre foi posta como desafio na formação e educação das pessoas.

O filósofo grego Aristóteles pensou uma estrutura ética que pudesse conduzir a cidade grega de modo perfeito. Por isso, entendia que o modelo de sociedade que deveria ser formado na constituição da cidade seria aquele em que o bem individual e o bem coletivo tenderiam a unir-se. As virtudes seriam qualidades essenciais para o convívio social e consistiriam “na disposição adquirida de fazer o bem e se aperfeiçoar com o hábito”. Portanto, não nascemos com vícios ou virtuosos. A cidade viveria cada vez mais em paz na medida em que predominasse a prática de virtudes e cada vez menos de vícios.

Enquanto a filosofia grega coloca como referencial ético o equilíbrio entre o bem individual e o bem coletivo na convivência da cidade, a Bíblia nos lança para outro referencial ético. “Caminhai com Deus” (Gn 5, 22). As virtudes nos levam para o caminho da perfeição, da santidade, e os vícios nos levam para a degeneração. Não é mais a vontade ou a necessidade da cidade que devem ser a referência ética, pois Deus quer reunir os homens entre si e consigo mesmos. Essa comunhão intersubjetiva e individual exige o progresso moral de todos. Assim, a virtude consiste num relacionamento vivo com Deus.

A Bíblia nos faz olhar para a raiz da virtude ou do vício. Ela está no coração do homem. Um coração cheio da Lei de Deus fará um homem ser virtuoso, e vazio da Lei de Deus, um homem degenerado, perverso. Ao longo dos dois Testamentos, a Bíblia irá traçar uma grande lista de vícios que deveriam ser combatidos e evitados na formação das pessoas e virtudes, opostas radicalmente aos vícios, que deveriam ser ensinadas. Os profetas, os Sábios, Jesus Cristo e seus Apóstolos não se cansam de mostrar os dois lados da conduta moral. Paulo nos diz que a causa profunda dos vícios é o desconhecimento do verdadeiro Deus, preterido em troca dos ídolos. Os vícios não apenas dividem os homens, como os colocam em oposição entre si.

Ao contrário, as virtudes se complementam. Assim, o princípio da unidade conforme nos diz Miquéias (6, 8) é “andar humildemente com Deus, cumprindo a justiça e amando com ternura”. Jesus Cristo nos aponta para o caminho da humilde mansidão e do amor que leva a dar a própria vida, amor que deve ser o modelo para a vida de seus discípulos entre si – “vejam como eles se amam” – constituindo-se em sinal distintivo do ser cristão. São Paulo nos aponta como modelos as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Essas virtudes estão relacionadas à Santíssima Trindade.

A Tradição da Igreja enumera 12 virtudes (Gl 5) e 7 dons do Espírito Santo concedidos aos cristãos. A Igreja nos ensina que as virtudes são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da inteligência e da vontade. Portanto, não se torna virtuosa uma pessoa praticamente apenas atos esporádicos de boa conduta, mas que age de maneira firme e permanente, levando uma vida moralmente boa. Por isso, o Papa Francisco em sua catequese nos diz que “a vida espiritual do cristão exige um combate contínuo”.

Nos dias atuais, de tantas polarizações e movimentos de combate à Igreja conduzida pelo Papa Francisco, essas catequeses nos apontam para um grande combate de luta contra extremos opostos. O orgulho desafia a humildade; o ódio se opõe à caridade; a tristeza diante da alegria do Espírito; o endurecimento do coração que se opõe à misericórdia. Somos chamados pela Igreja para uma grande luta espiritual contra os vícios que nos impedem de caminhar e nos dividem tanto.

Todas as instituições educativas e eclesiais ou religiosas são responsáveis pela formação de uma nova humanidade e o campo das virtudes poderá ser desenvolvido na medida em que a educação em âmbito geral for comprometida com a formação de jovens virtuosos. A pregação do Papa Francisco nos chama para o desenvolvimento de atos de vontade com renovada perseverança no esforço e na luta. Acreditamos na eficácia da graça divina que purifica e eleva, contudo ela não é uma fórmula mágica que por si só garante a formação do homem virtuoso.

Para fazer florir o jardim das virtudes em nosso redor há que se lutar dia e noite. A Encíclica Fratelli Tutti nos convoca para um verdadeiro combate em prol fraternidade entre os homens, pela dignidade humana, pela solidariedade, pelo diálogo e encontro com todos e todas, pelo cuidado com o meio ambiente, por uma economia inclusiva e solidária e pela construção da paz. Assim constituímos a amizade social, uma sociedade pautada nas virtudes.

A vida espiritual do cristão não é pacífica, como se estivesse numa “zona de conforto” ou numa calmaria subjetiva, isenta de desafios. Ao contrário, exige um combate contínuo. A unção com óleo no batismo anuncia simbolicamente que a vida é uma luta. Com esse sacramento aceito sinceramente com um “sim” estamos nos dispondo para esse combate. A pessoa que recebe o sacramento do batismo dispõe-se para esse grande combate aos vícios e a construção de uma sociedade cada vez mais marcada por virtudes.

Edebrande Cavalieri

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