Nesse artigo queremos não apenas tratar do aniversário de tão importante Congregação, mas também mostrar o contexto em que ela foi criada e um pouco do panorama missionário da atualidade que se relaciona às Obras missionárias.
A era moderna para a Igreja Católica foi desafiadora desde o início. Os velhos modelos eclesiais foram abalados com os processos de reforma protestante que se alastravam por todos os países da Europa. Restavam a Itália, Portugal e Espanha ainda intocados pela revolução reformadora. Era preciso salvar o que restava da Europa e garantir a presença católica em terras dos continentes americano, africano e asiático.
Internamente a Igreja realizou o Concílio de Trento realizado entre os anos de 1546 e 1563, tendo à frente as ordens religiosas franciscana, dominicana e jesuíta. Convocado para estabelecer novas diretrizes de ação evangelizadora e restabelecer a unidade rompida com a Reforma Protestante, acabou prevalecendo a tendência intransigente que dificultou o diálogo. Internamente a Igreja se reforma com medidas mais radicais como a reorganização do Tribunal do Santo Ofício, a implantação de Congregação para a censura ao que é publicado e a reestruturação dos seminários formando um novo clero.
Externamente a Igreja viu-se na necessidade de estabelecer acordos com os países católicos como Portugal e Espanha para conter o avanço do protestantismo nas terras descobertas. O grande acordo foi o Padroado, que era uma espécie de direito conferido às coroas de Portugal e Espanha para cuidarem dos negócios eclesiásticos. Os interesses políticos dessas potências coloniais vão se sobrepondo aos interesses da Igreja. No Brasil, implanta-se um catolicismo de cunho medieval, deixando-se para o século XIX a implantação das diretrizes do Concílio de Trento através do movimento de Romanização.
Esse acordo, o Padroado, deixou a Igreja católica atrelada aos interesses de Portugal e Espanha. A administração colonial cuidava até do ingresso dos candidatos ao presbiterato nos seminários e a expansão das circunscrições eclesiásticas. O povo brasileiro foi criando um catolicismo independente dos ministros ordenados (bispos e padres) e dependente das Irmandades conduzidas por leigos. Nesse catolicismo devocional, o padre era convidado para abrilhantar a festa com celebrações bonitas e belas homilias. Exemplo maior é a obra do padre Antônio Vieira, Os Sermões.
Ao mesmo tempo, algumas congregações religiosas foram avançando no trabalho de evangelização independente da administração colonial, criando seus próprios modelos de pastoral. Os jesuítas tiveram ainda mais sucesso pois estavam diretamente ligados ao Papa com o chamado quarto voto e não dependiam do governo português. Criaram colégios pelo Brasil a fora mantendo-os com suas fazendas. Não podemos negar que tenha havido até conflitos entre as congregações como ocorreu na Amazônia. Era natural, pois não havia uma orientação centralizada no trabalho missionário.
Foi nesse contexto que o Papa Gregório XV em 6 de janeiro de 1.622, na solenidade da Epifania do Senhor, fundou a Sagrada Congregação “de Propaganda Fide”, que agora comemora seu 400º aniversário, tendo por objetivos a reunificação dos cristãos e a difusão da fé entre os pagãos. Essa Congregação compõe-se por um conjunto de dicastérios que formam a Cúria Romana, que ajuda o Papa no exercício de seu supremo múnus pastoral, promovendo a missão própria da Igreja no mundo.
A missão dessa nova Congregação era atender à atividade missionária da Igreja, no velho e no novo mundo, com finalidades eminentemente espirituais, abandonando de vez os patrocínios coloniais das potências europeias no caso do Padroado e superando as tendências e interesses particulares da ação missionária das ordens religiosas, dando uma unidade de ação pastoral.
De imediato a Congregação tratou de organizar o Colégio Urbano de Propaganda Fide para a formação de um novo modelo de clero, e fundou a Tipografia Poliglota para a impressão dos documentos da Igrejas e do trabalho pastoral nas diferentes línguas dos povos. O caminho apontava para uma ação de unidade na formação do clero e da ação missionária, com apoio financeiro necessário. Até hoje, mesmo com as mudanças na história, a Congregação para a Evangelização dos Povos manteve os objetivos fundamentais inalterados adaptando-os aos novos contextos e tempos.
Hoje a De Propaganda Fide (Congregação para a Evangelização dos Povos) possuiu 1.117 circunscrições com sua ajuda, sendo 517 na África, 483 na Ásia, 71 na América e 46 na Oceania. Esses números mostram a grande necessidade da Missão Ad Gentes em termos vocações ministeriais, mão de obra leiga, inteligência com quadro de professores e formadores, estruturas e capacidade de financiamento. Em 2021, o seu orçamento chegou à cifra dos 25 milhões de euros. Sem a ajuda financeira proveniente das doações o trabalho missionário nos rincões mais afastados da terra seria impossível ou precariamente realizado. Daí a importância da ajuda dada pelas comunidades no mês de outubro.
Ao comemorar seu aniversário de 400 anos, é preciso frisar que desde o início manteve-se inalterada na intuição de ser um centro de propulsão, direção e coordenação para a atividade missionária.
No Brasil, as Pontifícias Obras Missionárias têm trabalhado junto às Igrejas locais através de várias Obras como a Propagação da Fé envolvendo as Famílias Missionárias, a Juventude Missionária, os Idosos e Enfermos Missionários, a Infância e Adolescência Missionária e a Pontifícia União Missionária que cuida da formação missionária de todo o povo de Deus, especialmente da formação do clero e da vida consagrada.
Seguindo as orientações do Papa Francisco no sentido da caminhada sinodal, as Pontifícias Obras Missionárias em sintonia com os Conselhos Nacional e Regional estão implantando o Programa Missionário Nacional através de quatro prioridades: Formação, Animação Missionária, Missão Ad Gentes e Compromisso profético social.
As Pontifícias Obras Missionárias buscam contribuir para um despertar da Missão Ad Gentes nas Igrejas particulares, para além fronteiras. Desta forma, três regionais da CNBB Sul I, Sul II e Sul III enviam missionários para Moçambique e Guiné Bissau. Isso é muito pouco para uma Igreja tão grande como a do Brasil. Além desse projeto, deve-se destacar o Projeto Igrejas Irmãs que tem participação ativa da Arquidiocese de Vitória enviando padres, diáconos e leigos, e contribuições materiais; ainda cabe destacar a Campanha Missionária que ocorre no mês de outubro quando recorda aos fieis seu compromisso concreto com a intensificação da oração e a ajuda material para as Igrejas com mais necessidades do mundo.
Gostaria de terminar essa reflexão destacando o valor e a necessidade de sair de sua terra, de sua paróquia, de sua diocese, para ir além das fronteiras, especialmente para as periferias geográficas e sociais. Se um padre, um diácono ou um leigo for chamado para a missão Ad Gentes trata-se de um mandato de Jesus Cristo contido no Ide a todos os povos… Uma Igreja em saída missionária não pode permanecer presa a seus compromissos locais. O Papa São João Paulo II conhecido como “Papa Peregrino” viajou por 129 países, percorrendo mais de um milhão de quilômetros, dizia na encíclica Redemptoris Missio: “Desde o início do meu pontificado, decidi caminhar até aos confins da terra para manifestar esta solicitude missionária e este contato direto com os povos, que ignoram Cristo”.
Tantas vezes o chamado de Deus se concretiza numa ação mais forte da fé para além dos muros da própria comunidade e do próprio presbitério. É preciso experimentar a pobreza de quem vive além de nossa fronteira de conforto e bem estar. Muitas vezes vivemos numa zona de conforto na Igreja. Cada batizado é chamado a ser missionário, a sair de sua terra, a ir para as periferias existenciais e geográficas.
Portanto, o aniversário de 400 anos da Congregação de Propaganda Fide é muito mais que uma festa a ser comemorada. Trata-se de um momento de reflexão e decisão para lançar-se na missão de maneira concreta, sob diversas formas como apresentamos acima. Uma Igreja fechada em si mesma definha, pois o que dá vigor à fé é seu empenho missionário, como dizia o Apóstolo Ai de mim se não evangelizar.
Edebrande Cavalieri
Foto capa: Vatican News