Depois de quarenta anos dedicados à educação de jovens e adultos aqui em Vitória, meu coração anda muito inquieto vendo ameaças a professores, colegas e funcionários, feitas por alunos alegando diversas justificativas. Em Águas Claras um jovem ameaçava colegas de três séries dizendo que eles deveriam “apenas orar e rezar ao seu deus. Aproveitem enquanto podem. Amanhã será o grande dia”. Na cidade de Serra, no Espírito Santo, outro jovem alertava sobre o “grande massacre”. Enquanto isso, uma professora de 71 anos morreu esfaqueada dentro da escola onde trabalhava e outras pessoas saíram também esfaqueadas.
O cenário é cada vez mais macabro. Filme de terror! Em Coqueiral de Aracruz as cicatrizes continuam a sangrar e não fecham depois que aquele jovem disfarçado de soldado nazista invadiu duas escolas no final do ano passado e executou um grande plano diabólico. Sim. Isso não é coisa de Deus. Também os nazistas gritavam o nome de Deus – em vão – e até prostravam-se de joelhos, e nada temiam diante dos milhões de judeus executados nos campos de concentração.
Muitos jovens professores abandonam a carreira docente, outra maior quantidade perde a motivação para se preparar para o magistério. Profissão que outrora era considerada um verdadeiro sacerdócio, hoje vai perdendo o encanto nos diversos projetos de vida profissional. Escolas sendo transformadas em lugares de medo e covardia. Agentes públicos fazem propostas cada vez mais absurdas para conter a violência que senta nos bancos escolares ao lado de nossa juventude. Nas Igrejas ouvimos orações ineficazes, pois Deus quer que cada um de nós cumpra com a sua parte. Ele não é nenhum mágico para livrar da morte violenta que explode nos corredores e salas de aula.
Pensamos que seja necessário fazermos uma psicanálise da sociedade contemporânea para compreender melhor essa situação caótica e violenta. Nossos gestores da educação tem um grande desafio: empreender estudos e pesquisas com profundidade para que possam elaborar planos educativos mais eficazes. Continuar nos moldes antigos como hoje se faz é deixar crescer a erva daninha. Logo teremos o fim da escola.
Não está longe esse dia. Quando a escola perde espaço na vida dos jovens passando a ser lugar de obrigações, de medo, de punições, de “salve-se quem puder”, é sinal que ela está acabando. Esse modelo de escola que não traz sabor não tem capacidade para ser lugar do saber. É preciso que nossas crianças e jovens sintam o sabor da vida escolar, e não a dor e o sangue derramado. Quando se torna lugar do medo é o momento de fechar e apagar a última lâmpada. Contudo, o cristão sempre é movimento pela esperança. A morte não encerra a trajetória da história, da vida de cada pessoa.
O que a Igreja e as religiões poderiam fazer? Como estamos num país profundamente marcado pela fé cristã, não tem sentido essa sensação apocalíptica de destruição da esperança. Num encontro em outubro de 2021, o Papa Francisco falava do Pacto Educativo e convocava religiões e escolas para esse movimento dizendo que “toda mudança precisa duma caminhada educativa para fazer amadurecer uma nova solidariedade universal e uma sociedade mais acolhedora”.
Dessa pequena frase, podemos nos perguntar como estamos desenvolvendo uma “solidariedade universal” a partir de cada sala de aula? Quem é solidário não pensa em assassinar professores. Formamos uma sociedade perversa que se alimenta do discurso da violência para combater a própria violência. Esses algozes fascistas logo gritaram após a morte da professora que se ela estivesse armada não teria morrido. Esses sujeitos perversos acham que sobre a mesa do professor basta uma pistola carregada para impor medo e transformar assim a vida dos alunos.
O segundo fundamento proposto pelo Papa é dotar a escola de uma cultura de acolhimento. Deixamos crescer uma sociedade que segrega, que exclui, que expurga. O acolhimento fica por conta do lado mais sombrio dessa mesma sociedade, as organizações criminosas. Essas acolhem e organizam as atividades “sociais” necessárias para o sustento.
Nesse Pacto Educativo, a Igreja através do Magistério do Papa Francisco busca reavivar o compromisso em prol e com as novas gerações, renovando a paixão por uma educação mais aberta e inclusiva. Para que isso seja eficaz, torna-se necessária uma escola capaz da escuta paciente, do diálogo construtivo e mútua compreensão.
O tecido social do Brasil está sendo rasgado aos poucos, produzindo uma sociedade intolerante, violenta, polarizada e armada. Investimos na capacidade de armar as pessoas e desinvestimos no esforço para amar. Ou buscamos construir um mundo mais fraterno ao nosso redor, ou nos trancamos cada vez mais no medo e no desespero. O Papa nos lembra que o princípio educativo do “conhece-te a ti mesmo” é fundamental, mas não se pode descuidar de outros princípios como “conhece o teu irmão”, “conhece a criação” e “conhece o Transcendente”. E conclui: “Não podemos esconder às novas gerações as verdades que dão sentido à vida. As religiões sempre tiveram uma relação estreita com a educação, acompanhando as atividades religiosas com as educativas, escolares e acadêmicas”.
Diante de nós se apresenta o desafio que deve servir de estímulo e não desespero para uma renovada ação educativa que possa fazer crescer no mundo a fraternidade universal, a possibilidade de uma convivência pacífica no respeito mútuo. Em nota a CNBB através de seu presidente, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, nos diz que esse quadro atual “é sintoma de uma sociedade adoecida, mergulhada na violência que a todos ameaça. Precisamos reagir a esse cenário de desolação que enlouquece a sociedade: não se enfrenta a violência com armas, mas estabelecendo um contraponto à banalização da vida. Isso significa testemunhar, com atitudes e por políticas públicas, o precioso dom da paz”.
Edebrande Cavalieri