A MISERICÓRDIA QUE BROTA DO ALTAR

20 dezembro, 2021

Uma ação realizada por um padre que celebrava a Missa na Igreja de Santa Luzia no centro de São Mateus tomou conta das redes sociais e dos noticiários. Em plena celebração o Padre João Batista de Oliveira acolhe um morador de rua que simplesmente entrou na Igreja com um pote de comida que havia recebido, se aproxima do alta e pede a bênção. Vestido apenas com uma bermuda e descalço, provavelmente há muitos dias sem tomar banho, aquele ser humano consegue ingressar na Igreja e chegar até o altar.

Ninguém o impediu de entrar na Igreja e aqui está o primeiro gesto cristão, que conhecemos como misericórdia. É preciso deixar as pessoas chegarem até Jesus Cristo. Mesmo que sejam leprosos como naqueles tempos passados. Mesmo que tenhamos medo. Mesmo que cheiram mal. Nossa atitude normal seria impedir que essa pessoa entrasse, pois iria atrapalhar a celebração. Parabéns àquela comunidade ali presente, que sentiu no coração o impulso para a acolhida. Foram misericordiosos.

Diante do pedido daquela pessoa em situação de rua, o Padre, movimento pelo sentimento de misericórdia, logo se aproximou e vendo-a ajoelhada diante de si, também ajoelhou. Ouviu o pedido. Não queria dinheiro. Apenas: “Padre, abençoa-me!” E se pedisse dinheiro ou comida, em nada mudaria aquele gesto. Era alguém que vinha de uma periferia até a Igreja.

Quanto custa a misericórdia? Daquele ministro da Igreja esperava apenas ser acolhido e abençoado. Eis que o sacerdote, sem nenhuma pompa ou ar de superioridade, olhou para aquele pobre e compadeceu-se dele. Ajoelhou junto, de frente, na mesma altura. A misericórdia que brota do altar não é aquela que vem dos tronos, das majestades, dos reinados. A misericórdia de Deus não é esmola, dada sem tocar, sem olhar, com nojo. É preciso compadecer-se como fez aquele Samaritano diante de um homem machucado na estrada, descer do cavalo e ir ao encontro.

Ao ajoelhar com aquele homem ali diante do altar, o Padre confessa que assim conseguia ouvi-lo. E diz que fora movido pela força de Deus. Essa é a grande diferença entre a misericórdia que brota do altar e as ações assistenciais, também importantes, mas diferem da perspectiva cristã evangélica. A misericórdia não é uma ação de extensão como as que as universidades desenvolvem. Se a Igreja não fosse misericordiosa ela se tornaria uma ONG, como nos alerta o Papa Francisco.

Por fim, o padre João Batista em seu testemunho nos diz que assim de joelhos em frente àquele homem podia ouvi-lo, pois “estávamos entre iguais, apenas em funções diferentes”. As periferias existenciais e geográficas estão chegando desesperadas aos altares. A Igreja em saída também se dá no gesto concreto realizado em plena celebração da Eucaristia. Aqui em Vitória tivemos há tempos atrás a celebração da Missa diante de um corpo assassinado e encontrado na rua por onde passava a procissão e o padre Kelder ali mesmo pediu que trouxesse tudo o que fosse necessário para celebrar a Eucaristia.

Aquele diálogo ali travado no silêncio do altar foi uma conversa sem pressa, com a comunidade em silêncio e contemplando aquela cena, aprofundou ainda mais o sentido da misericórdia de Deus. Aquele homem pediu orações. Sabia que não estava numa casa comercial ou bancária. Sabia que estava precisando e o padre o compreendeu. Não disse que ia rezar por ele (depois), mas rezou ali mesmo. Deu a bênção que tinha sido pedida e tocou no corpo sofrido, alquebrado. A misericórdia de Deus não é discurso abstrato, mas ação encarnada, que toca a carne da pessoa, toca sua dor, sua ferida, seu sofrimento.

Por fim, esse gesto que virou notícia tão rapidamente nos leva a perguntar. Por quê? Seria porque aquele padre é um místico, um santo? Não. Somos todos iguais, ele afirma. Penso que o que torna esse fato tão chamativo para a notícia se deve ao sentimento de que a misericórdia está se tornando coisa rara. Se ela fosse uma ação comum entre os cristãos, provavelmente não seria notícia. O caminho do mundo fortalece a perversidade, onde cada um se basta e não reconhece as necessidades dos outros.

O altar assim torna-se a referência concreta como espaço para a fonte da misericórdia. Quando o altar deixa de ser isso, ele pode servir para muitas coisas. Pode ser muito lindo. Pode servir até para palanque, para palco. Mas não é o lugar da fonte da misericórdia. A Eucaristia que ali é celebrada deveria nos levar ao caminho misericordioso, expressão maior da entrega do próprio Filho de Deus para a salvação do mundo.

Em tempos natalinos, fortes na memória da Encarnação do Verbo em Jesus Cristo, a Igreja do Espírito Santo ganha assim um grande presente, que veio do norte do Estado, sem plano nenhum, apenas aconteceu. O nosso “Feliz Natal” que desejamos às pessoas deveria conter esse espírito de Misericórdia. Obrigado pelo presente, comunidade de Santa Luzia! Obrigado, Padre João Batista.

Edebrande Cavalieri

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