Todo ano celebra-se no mês de outubro um dos elementos constitutivos da Igreja: a missionariedade. Ao longo da história ela foi entendida de diversas formas, algumas de maneira equivocada associando o trabalho de evangelização com o de colonização das terras descobertas, outras vezes confundindo com práticas proselitistas e impondo a fé à força, como se fosse um espírito de cruzada a evangelização. Ainda mais recente o trabalho missionário foi entendido por diversas instituições cristãs como cooptação para a própria Igreja. Assim todos achavam que estavam seguindo a diretriz dada por Jesus Cristo no “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
O Papa Paulo VI dizia aos jesuítas em 1974 que eles na condição de missionários não deveriam ficar fechados em um convento, mas ir para as encruzilhadas da história como desde o início da congregação fora feito. E mais ainda lhes disse que era preciso rezar, pois somente homens de oração teriam forças para habitar as encruzilhadas da história. O Papa Francisco também no encontro com os jesuítas, sua congregação, relembra essa orientação de Paulo VI e acrescenta mais uma característica do missionário, a alegria. É preciso agir com ternura e delicadeza, ele nos diz. Foi assim que desde o início os apóstolos e discípulos, com sua fragilidade, diante dos mais diversos perigos e incertezas, viviam a alegria como fruto do Ressuscitado; e isso levava-os a não ficarem parados, fechados no cenáculo.
Celebrar nesse mês a experiência missionária deveria apenas nos chamar a atenção que não é uma atividade pastoral como tantas outras. Muitos confundem a missionariedade da Igreja como uma atividade pastoral. E não é. Somos influenciados pelas ideologias organizacionais e dos planejamentos. Na verdade, a missionariedade é elemento constitutivo da Igreja. Uma Diocese que se fecha em seu projeto pastoral, em suas atividades pastorais atendendo espiritualmente os fiéis, falha na dimensão da missionariedade.
A grande mudança na forma de ver, de falar e de fazer missão ocorreu no Concílio Vaticano II com o Decreto Ad Gentes. Foram muitos debates, oito textos relatados e tantas discussões nessa caminhada, configurando uma verdadeira mudança de paradigma. Esse Decreto praticamente nasceu no período anterior ao Concílio e está no contexto das grandes mudanças do mundo e da Igreja. Portanto, a Igreja já sentia a necessidade de reorganizar sua forma de compreender e de realizar a missão própria definida por Jesus Cristo. Na história dos Concílios, esse é o primeiro documento que trata explicitamente da missão evangelizadora da Igreja.
O fim da Segunda Guerra Mundial, a queda dos regimes totalitários, o fim do colonialismo empreendido pela Europa rumo à Ásia e à África, a conquista do mundo moderno com os ideais de liberdade humana, religiosa e cultural, mostram um contexto complexo que exige da Igreja uma clarificação de sua atividade missionária. Portanto, era natural que antes ainda do Concílio essa temática já era objeto da atenção de pastores e teólogos. O mundo estava mudando muito rapidamente. A Igreja precisava se inserir no contexto do mundo moderno, abraçar uma missão que transcende as particularidades e que se abra ao diálogo e à caridade, o que necessitaria muito humildade.
Para um tempo em que as tendências restauracionistas de volta ao passado ficam fortalecidas como nos dias de hoje, é preciso frisar que o Concílio Vaticano II com esse Decreto sobre a missão da Igreja propõe a necessidade de se conhecer a fundo as culturas e os valores das pessoas, suas tradições religiosas e culturais, para descobrir nelas “a semente da Palavra”. Não há conciliação entre intolerância religiosa e missionariedade. A missão jamais deveria ser uma imposição de fora para dentro das culturas, mas inserida numa perspectiva contextualizada e dialogante. O Concílio também se opõe a qualquer tipo de proselitismo, coerção ou atração das pessoas usando técnicas indignas.
O dever missionário é de toda a Igreja, ministros ordenados e leigos. Não se trata de fazer missão como muitas vezes costumamos dizer. A Igreja é missionária por natureza. Portanto, ao abdicar desse dever proposto por Jesus Cristo, ela enfraquece em seu ser. Uma Igreja que procede da missão de Deus cumpre o mandato do Senhor. E o Papa Francisco esclarece ainda mais essa missão. A Igreja é enviada aos pobres, nas periferias mais extremas e nos subterrâneos da história.
Edebrande Cavalieri