Chega ao final a caminhada sinodal do Arcebispo Emérito Dom Luiz M. Vilela com sua morte nesse dia de 23 de agosto. Enfrentou de maneira intensa nos últimos dias a experiência mais profunda da condição humana, sem tempo para nenhuma despedida, nenhuma celebração de adeus. Enfrentou o problema do fim da vida no ambiente da dor e da doença, e ali com certeza foi exemplo de esperança para todos os que trabalham no hospital e aqueles que sofrem das mais diversas doenças. Chega ao fim, conscientemente, do caminho que estava trilhando. Não deu tempo para chegar lá e dar um abraço de adeus, muitos sentem como eu esse momento. Valeu, Dom Luiz! O senhor sempre tinha pressa e hoje não foi diferente.
A Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II inicia-se falando das alegrias e das esperanças, das tristezas e das angústias dos homens de hoje, e uma dessas angústias mais forte é a dor e a progressiva dissolução do corpo e o medo da perpétua extinção. E por intuição nascida no interior de seu coração o homem repele esse horror que seria a ruína final deixando nascer a semente de eternidade. A morte de um bispo representa ainda mais o drama da morte e fé na vida eterna.
Nesse momento de dor da família de Dom Luiz e das pessoas que fizeram parte de sua vida nos diversos lugares onde exerceu o ministério da ordem, sendo o episcopado o grau mais elevado, tantas coisas aparecem para nossa memória dessa grande caminhada feita na acolhida fraterna e na esperança. Esse foi o tema do I Sínodo concluído em 2009, aprovado por ele
O que mais marcou minha caminhada a seu lado foi a preparação e o desenvolvimento do I Sínodo da Arquidiocese de Vitória. Não poderia deixar de registrar essa experiência, pois está no caminho apontado pelo Papa Francisco em seu pontificado. A experiência sinodal foi a grande marca sentida com ele, e vivida com os presbíteros e o povo de Deus.
Naqueles meses de preparação do Sínodo, depois de uma reunião com a comissão preparatória, levei uma sugestão para que ele autorizasse a contratação de uma secretária especificamente para os encaminhamentos sinodais. E de maneira veemente ele me respondeu na hora, sem pestanejar, que se dependesse disso, o Sínodo não deveria acontecer, pois ele entendia que em cada função sinodal todo trabalho executado deve ser feito de maneira voluntária, portanto gratuita. Apenas a escuta feita através de uma pesquisa elaborada por um Instituto deveria ser objeto de pagamento. Todos os demais trabalhos deveriam ser voluntários.
E foi dessa forma que a Igreja de Vitoria, conduzida por ele naquele momento, e auxiliado por Dom Mário que era bispo auxiliar, fez sua caminhada sinodal na forma que foi possível. E foi muito bonito. Depois de três anos de escuta e celebrações, assembleias, em 24 de agosto de 2009, encerrava-se na Praça do Papa o I Sínodo Arquidiocesano. E agora, despede-se na véspera do aniversário desse grande evento eclesial. Muito obrigado, Dom Luiz!
Além do sentimento pessoal que descrevi, a morte de um bispo tem um sentido profundo na Igreja e nos lança para o tempo dos doze apóstolos. Eles também enfrentaram o desafio da morte e para isso foram constituindo seus sucessores. Então a morte de um bispo representa esse momento em que a Igreja se vê diante da perda biológica de um sucessor dos apóstolos. Porém, ganha mais um santo que trilhou o caminho sinodal, caminhando junto com o povo, e agora representa um exemplo a ser seguido. A memória dos apóstolos fortalece a Igreja. Jamais será momento de desolação, ou fim do caminho. A caminhada eclesial nos remete para a dimensão mais profunda do mistério de salvação.
E seu sepultamento também reflete esse sentido eclesial. Não se trata de um privilégio ser enterrado na cripta da catedral onde exerceu o pastoreio, mas uma demonstração concreta de que assim ele estará com o povo até o fim dos tempos. A catedral não é o cemitério dos bispos como popularmente se fala. A ideia de cemitério nos remete ao distanciamento, ao tempo triste. No caso do enterro do bispo na catedral, que é a cadeira onde ele exerceu o ministério episcopal, representa a permanência entre nós assim como aconteceu com os apóstolos.
Então isso nos traz esperança, conforto, certeza de que o caminho da Igreja desde os tempos apostólicos nos enlaça profundamente, vivos e mortos, celebrando a salvação trazida por Jesus Cristo. Eu não poderia dizer “vai em paz, Dom Luiz”, mas fique conosco, continue a caminhar conosco. Vida e morte ganham sentido numa relação de reciprocidade.
Tinha hora que nos sentíamos tão fracos e sua voz animada era nosso conforto. Hoje quero dizer também um muito obrigado pela entrega, em momentos difíceis, pela sinceridade e abertura, pela acolhida e inserção dos leigos na vida da Igreja. Fique conosco, Dom Luiz, pois o dia parece terminar e tem muitas sombras que parecem escurecer o horizonte da história. Tem ondas fortes querendo naufragar a Barca de Pedro. Continue conosco! Ajude-nos nos remos para que essa Barca rompa as tempestades, as altas ondas, e chegue ao mar calmo.
Edebrande Cavalieri