A Igreja Católica convida seus fieis no mês de agosto a celebrar tendo como intenções as vocações para os ministérios ordenados especialmente a vocação sacerdotal, para a vida em família, para a vida consagrada e para os ministérios e serviços na comunidade, especialmente o catequista. Assim temos o dia do padre, dos pais, da vida religiosa, dos ministérios leigos e do catequista quando houver cinco domingos no mês de agosto. Na verdade, todas essas intenções estão na direção da vocação à vida cristã.
A Bíblia nos apresenta um cenário bem amplo da vocação e muito impressionante. O chamado de Deus tem papel importantíssimo na Revelação e no plano de salvação. Deus sempre chama para uma missão, para enviar em vista de uma obra especial no plano de salvação. Por isso, ela é sempre pessoal, mas desempenha função importantíssima junto ao povo. Servir a Deus é estar no meio do povo servindo-o. A vocação não é um chamado em vista de si mesmo. Muito interessante é o fato de os reis não receberem esse chamado ou nem ouvirem esse chamado, mesmo sendo ungidos. Foi Samuel o responsável pela unção dos reis Saul e Davi, e desde esse dia o Espírito do Senhor se apoderou deles.
Jesus Cristo chama pessoalmente aqueles que deverão segui-lo, como é o caso dos doze apóstolos. A Igreja nascente entendeu logo que a condição cristã representa uma vocação como uma tomada de posição pessoal, nascida no Espírito, com uma diversidade de dons, de ministérios, de operações, formando uma só Corpo e um só Espírito. Uma pessoa que se diz cristã e entende-se de maneira isolada do corpo eclesial não está na condição de vocacionada por Deus, mas de si própria. Por isso o Papa Francisco tem alertado inúmeras vezes sobre o perigo da Igreja cair na autorreferência.
O Papa em sua mensagem para esse mês sublinha que “a nossa vida e a nossa presença no mundo são frutos de uma vocação divina”. Trata-se de um chamado do Senhor para o seguir. Mas nos alerta dizendo que o chamado do Senhor não é evidente como se acontecesse algo inusitado no nosso dia a dia e assim ouvimos o chamado divino. “Deus vem de forma silenciosa e discreta, sem se impor a nossa liberdade”. É preciso desconfiar de descrições mirabolantes de pessoas alegando terem sido chamadas por Deus. Ele não convoca através de alto falantes. Ao mesmo tempo é preciso tomar cuidado para não sufocar ou mesmo apagar o chamado de Deus em função de nossas inquietações e nossos desejos tão mercantilistas. O homem mais preocupado com seus interesses tem estado surdo ao chamado divino.
O mundo moderno toma da Sagrada Escritura o termo equivalente a vocação e aplica-o ao conceito de trabalho, que desde então vai perdendo sua conotação pejorativa. Estudiosos percebem essa mudança na própria tradução da Bíblia feita por Lutero. Doravante trabalho e vocação vão caminhando lado a lado. Era o que sistema capitalista necessitava: vocação como profissão para o mercado de trabalho.
Hoje chegamos ao cúmulo de mudar a formação de nossos jovens reduzindo-a ao mercado de trabalho e não para o mundo do trabalho. Corre-se o risco de transformar também determinadas vocações religiosas em algo para o mercado de trabalho. Padre ou Pastor correm esse risco com o advento das novas perspectivas religiosas. Isso seria um total descalabro no entendimento da vocação como chamado divino. Quando ser ministro ordenado descambar para uma visão mercantilista, como algo do mercado de trabalho religioso, funcionários do altar, perde-se a grandeza da vocação cristã como “luz do mundo e sal da terra”.
Gostaria de chamar mais a nossa reflexão para as vocações leigas. Diversas pesquisas com jovens brasileiros na atualidade nos mostram um quadro de grandes incertezas e inseguranças. Isso vale tanto para o caminho para a vocação cristã quando para a vida profissional. É nítida a incapacidade de um número crescente de jovens de decidir-se, de posicionar-se. Às vezes, temos a impressão que muitos jovens não amadurecem mesmo chegando aos 40 anos de idade. Vivem às custas dos próprios pais.
Um dos fatores que dificulta o discernimento para a decisão está na falta de critérios seguros e claros que ajudem na escolha do caminho. Também na vida religiosa os critérios são variados, e alguns são puramente conveniências estruturais do momento, “onda do momento”, que pouco tempo depois desaparecem ou tornam-se superados. Assim o mundo dos adultos precisa mostrar com clareza os princípios e critérios fundamentais para um jovem que aparece querendo seguir uma determinada vocação, especialmente a ministerial na vida eclesial.
Outro item em que nossos jovens se perdem com indecisões e incertezas se refere à questão dos valores. Vivemos um mundo de profunda instabilidade, relatividade; vive-se num mundo líquido. Então cabe perguntar sobre o que vale a pena seguir. Eu dizia quando, na condição de Diretor de Centro Universitário fazia a colação de grau dos formandos de curso superior, que eles deveriam empenhar esforços para que aquele diploma que estavam recebendo servisse para torná-los felizes. Assim, não há como escapar de questionamento sobre o sentido e a finalidade do existir.
Na vida cristã, antes da ordenação em qualquer ministério dever-se-ia perguntar a cada pessoa por que quer ser padre, ministro ou catequista. E completar com outra perguntinha instigante: para que você deseja exercer esse ministério? Sem responder a essas duas questões a pessoa não amadurece no discernimento vocacional. Já imaginaram essas duas questões sendo propostas aos grupos que usam da religião como trampolim para a vida política? Tem muito líder religioso que jamais seria chamado por Deus, pois o seu desejo é ganhar uma eleição política e assim atender aos grupos econômicos que o apoiaram.
O sociólogo Max Weber pronunciou duas conferências a estudantes universitários na Universidade de Munique em 1917 e 1919, tendo como temas “A ciência como vocação” e “A política como vocação”. Na política brasileira atual calhariam muito bem essas duas conferências. Penso que serviriam ainda mais para a nossa reflexão. Há uma política que nega a vocação para a ciência na medida em que se nega o valor de seu produto, o conhecimento.
O mais desafiador nos tempos atuais está, em meu entendimento, na compreensão da política como vocação. Podemos nos referir a uma vocação cristã para a vida política. Provavelmente as coisas seriam diferentes do que está na prática atual. Muitos políticos falam tanto de Deus, mas suas ações representam bem o caminho dos falsos profetas e vendilhões do tempo. Muitos fazem da política algo completamente contrário ao que reza a Constituição republicana e transformam sua ação apenas para atender a seus interesses pessoais, familiares e de grupos econômicos.
Weber dizia naquelas conferências proferidas no contexto da I Guerra Mundial que não era o florescimento do verão que se apresentaria diante daqueles jovens universitários, mas do início de uma noite polar de trevas e de durezas férreas. O mundo que se mostrava estava marcado pela amargura e pelo farisaísmo, grandemente embrutecido. Alguns empreenderam uma fuga mística do mundo. Todas essas pessoas que estavam conduzindo a política de então não estavam à altura do mundo, não possuíam a vocação para a política, a vocação que eles acreditavam possuir. A brutalidade política chega ao ponto mais cruel com o advento do nazismo com a disseminação do ódio, da intolerância, e do aniquilamento das pessoas.
A política como vocação é bem o contrário dessa estupidez. Significa um trabalho lento e forte de perfuração de duras madeiras ao mesmo tempo que apresenta ao mundo paixão e acuidade visual. Há que se ter firmeza para obter as condições de enfrentar o fracasso de todas as esperanças. E somente assim, mesmo com o mundo manifestando ainda mais estupidez e a pessoa não desistir dessa luta essa pessoa pode ser dita que possui vocação para a política.
Por fim, o Papa Francisco nos convoca para uma nova presença na política da América Latina, com novos rostos, novos métodos. Para ele, “entrar na política significa apostar na amizade social”. Não se restringe à administração do poder, dos recursos e das crises. “A política é uma vocação de serviço”, nos diz o Papa.
Edebrande Cavalieri