Arthur Cristo | “Levanta como um sinal sobre nós, Senhor, a luz da tua face!”
O segundo Domingo da Quaresma, celebrado neste dia, nos apresenta o mistério da Transfiguração de Jesus (cf. Mc 9,2-10). Após anunciar (cf. Mc 8, 31-38) que deveria sofrer, morrer, e ressuscitar em três dias, Jesus leva Pedro, Tiago e João a um monte. Ali o Senhor se transfigura diante dos três Apóstolos, aparecem Moisés e Elias, e por último, uma nuvem desce envolvendo a todos, e dela se ouve uma voz que diz: “Este é meu Filho amado. Escutai o que ele diz!”
À primeira vista, nos parece estranho, ou talvez inadequado, ouvir o Evangelho da Transfiguração do Senhor durante o tempo quaresmal da Igreja. Textos sobre penitência, conversão, cura, misericórdia, nos parecem mais conectados ao espírito de austeridade que é próprio deste período. No tempo em que o cristão deve revisar sua vida e olhar para sua própria miséria, seus pecados, o Evangelho deste domingo, ao contrário, mostra aos cristãos a glória do Filho de Deus, cheio de esplendor na Transfiguração.
Ora, ao contemplar tão grande mistério, quais são os sentimentos que brotam da alma cristã? Acaso tal visão divinal move a alma à penitência e à conversão como ocorre ao se olhar para cruz de Cristo?
Recordar o Evangelho do Domingo anterior pode nos ajudar a penetrar melhor na liturgia deste dia. Leu-se no primeiro Domingo da Quaresma o relato dos quarenta dias em que Jesus jejuou no deserto e sofreu a tentação pelo Diabo. Embora não encontremos no Evangelho de Marcos uma descrição da tentação, Mateus (cf. Mt 4, 1-11) nos indica que: primeiramente, o Diabo tenta Jesus pedindo que use levianamente o poder que tem, transformando pedras em pão; depois transporta Jesus ao beiral do Templo e pede que se jogue dali para que os anjos viessem em auxílio; por fim, o Diabo sobe com o Senhor até um alto monte, mostra-lhe os reinos e a glória deste mundo, propõe ser adorado em troca da glória desses reinos. À medida que a matéria das tentações cresce, cresce igualmente a altura do lugar da tentação.
Agora nos detemos diante de dois montes. Jesus está em ambos. No primeiro Jesus olha para a glória do mundo; no segundo, o temos em glória transfigurado. Jesus passa do monte das tentações para o monte da glória de Filho muito amado do Pai. O que temos aqui senão o que ocorre com a alma que sai vitoriosa da tentação? O cristão deve sair do monte das tentações, onde o Diabo o tenta com as glórias do mundo, e se colocar no monte de Deus, onde o Senhor nos mostra a verdadeira glória, a glória do Filho de Deus. Eis aqui o verdadeiro espírito quaresmal! Eis o caminho que Jesus nos ensinou!
Agora que sabemos em qual monte devemos estar, e porque a Liturgia nos propõe o Evangelho de hoje, resta-nos agora contemplar o mistério da Transfiguração, propriamente dito.
O texto da Transfiguração está entre dois anúncios da Paixão de Cristo. Ao subir com os principais apóstolos ao monte, o Divino Mestre quer confirmar a fé deles em sua palavra, e para isso mostra-lhes um pouco de sua grandeza como prova de sua divindade. No ato, aparecem Moisés e Elias, confirmando que Jesus de fato era o esperado pelos profetas, e o novo Moisés, com quem Deus vai fazer a Nova e Eterna Aliança. Moisés recebeu de Deus a Lei da Antiga Aliança (cf. Ex 24) no monte de Deus, o Sinai; na transfiguração ele contempla o autor da Lei da Nova Aliança. Elias, no mesmo monte que Moisés, presencia a manifestação de Deus (1Rs 19), que lhe veio em forma de brisa leve, mas agora, na Transfiguração, contempla o Verbo em sua glória. Jesus no Tabor é ao mesmo tempo realização das profecias antigas e o Moisés da Nova Aliança de Deus com a humanidade.
Além do testemunho de Moisés e Elias, o Pai mesmo vem testemunhar em favor do Filho, e envolve a todos com o Espírito Santo – na nuvem. Todos escutam a voz que diz: Este é meu filho amado, escutai-o. Escutar Jesus e tê-lo como mestre é o dever de todo os homens. Como presenciar manifestação tão extraordinária e não ter a fé renovada no Filho de Deus? Certamente, contemplar esse mistério removeu do coração daqueles três apóstolos qualquer espécie de fé oscilante. Quão inspirados não devem ter ficado os três e quanto não gostavam de partilhar entre si as maravilhas que Deus os havia mostrado? O segredo exigido por Jesus aos três tem fundamento na pedagogia divina.
Jesus revela progressivamente sua divina filiação, porque nem todos estavam prontos para compreender esse mistério. À medida em que seus discípulos são purificados das falsas ideias sobre o Messias, o Senhor vai lhes dando a conhecer sobre os mistérios de sua Encarnação e Paixão.
Neste Domingo, Jesus quer nos instruir sobre como vencer o mal, ao mesmo tempo em que nos mostra um pouquinho de sua glória para nos animar na dura caminhada quaresmal, renovando nossa fé, fundada no testemunho da Lei e nos profetas, nos apóstolos e no próprio Deus que diz: escutai-O.
Arthur Cristo da Silva
Seminarista do 1º ano de Teologia;
Paróquia de origem: São João Paulo II, Praia de Itaparica, Vila Velha – ES;
Paróquia de pastoral: São José, São José, Guarapari – ES.