Como esconder que sou mortal

27 abril, 2022

Há décadas nossas vidas têm sido atreladas às necessidades da nova economia É intensa a pressão para acompanhar a velocidade das transformações sociais, as vezes radicais e irreversíveis. Não estou falando apenas dos pequenos desafios comuns do cotidiano. Estou falando, também, das exigências dramáticas da globalização como dois aviões nas torres Gêmeas e um vírus de algum lugar na China que bastam como exemplo. Estamos todos sujeitos a que um pequeno evento do outro lado do mundo, mude as nossas vidas. Empregos somem da noite para o dia, tecnologias novas se tornam obsoletas rapidamente. Inovações surgem para o enfrentamento do caos.

Muitos, há muitos anos, estão “numa escalada frenética” para driblar os sinais que podem levar a serem “descartados como sucata” pela sociedade capitalista. O medo de ficar ultrapassado leva a pessoa a demonstrar a prontidão pessoal para enfrentar mudanças, flexibilidade e capacidade de adaptação, mesmo que acima de suas forças. Ela sabe que será avaliada por esses parâmetros e não necessariamente por suas conquistas passadas. O famoso “matar um leão por dia.” no mundo profissional, mas, hoje, a necessidade uma auto reinvenção se impõe além do profissional. O movimento acontece no nível de um processo individual , que impõe essa reinvenção para colocar a pessoa “no jogo” quando a onda de desconstrução chega.

O mais sério é que agora o paradigma desta verdadeira “mania” de reinvenção se estende para o nosso corpo que como mortal, descartável e impermanente está na contramão das “demandas” da economia global (que muitas vezes prefere robôs e máquinas) Como posso ser eu, como posso mostrar que não sou mais tão jovem que tenho rugas ou que estou fora destes parâmetros idealizados?

A cultura do descartável, da velocidade e do curto prazo traz muita ansiedade e insegurança, para as pessoas, em uma pressão imensa. A ansiedade e insegurança, longe de preferir qualquer movimento terapêutico (mais demorados), são cada vez mais resolvidas pelos indivíduos ao nível do corpo. Os corpos são modificados para negar qualquer fragilidade ou hipótese de fora do ideal por um mar de profissionais da estética, academias, spas e clínicas. Assim os corpos hoje “são bombados, socados, puxados, aspirados, costurados, encolhidos e aumentados cirurgicamente a um ritmo impressionante”. A pessoa de forma contínua precisa esconder/negar/mudar o que não está bom aos seus olhos.

Tudo isso leva a experimentar uma verdadeira mudança na identidade da pessoa. Quem sou eu nesta história? Aquela daquela foto de antes ou a que se olha no espelho agora. A que acorda cansada ou a que é postada no Instagram? As emoções, os afetos e os corpos, são manipulados como resultado destas novas práticas sociais individualistas. Essa experiência penetra profundamente em nós, em nossas vidas como pessoa e em nossas emoções, e muda quem somos!

Tenho certeza de que você, como eu, conhece pessoas que ansiou para se libertar do corpo mortal, descartável que temos, e hoje está irreconhecível. Tanta plástica e Botox que não se parece mais com elas mesmas. Meninas novas, até antes de 30 anos fazendo Botox, com medo de envelhecer(!!) e eliminando suas expressões faciais geradoras de rugas, que demonstram seus sentimentos, mas são denunciadoras do tempo que passa. Quem são elas verdadeiramente? Onde estão colocando o tesouro delas? Quem serão daqui a 30/40 anos?

Tem sentido o que é defendido por Anthony Elliot: “as forças globais, ao transformarem as estruturas econômicas e tecnológicas, penetram no próprio tecido de nossas vidas pessoais e emocionais”.

Vania Reis

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