Vania Reis
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Semana passada vimos que o terapeuta familiar Bert Hellinger em seus estudos percebeu que o equilíbrio entre o dar e o receber afeta não apenas as partes envolvidas na interação, mas o sistema familiar como um todo. O equilíbrio das trocas na interação, de qualquer tipo, é a base para a harmonia nos relacionamentos e a manutenção do equilíbrio do sistema familiar.
Vimos também que pelo fato de os pais terem dado a vida aos filhos, o equilíbrio desta relação não consegue acontecer. Não há como o filho compensar plenamente aos pais por suas vidas. Isso é natural. Berth aponta que o reconhecimento e a gratidão são as retribuições que mais do que possíveis, são necessárias para cada um poder ter uma vida plena. O filho precisa honrar, mostrar gratidão aos pais pelo dom da sua vida, se não quiser emaranhar-se em seu sistema familiar. Se estou emaranhada no sistema familiar, minha vida pessoal não se desenvolve plenamente, não anda! Falar em honrar parece fácil, mas se os pais foram abusivos, se houve estupro, maus tratos é muito difícil. O importante ter claro que esse filho/filha não precisa amar esses pais. O que é necessário é o reconhecimento que ele/ela não existiria sem eles. Honrar a origem não significa estar preso a esse relacionamento. É uma intenção racional de aceitar esse espaço, sem precisar necessariamente estabelecer qualquer outo vínculo, caso não se queira, o que não isenta o filho/filha de suas responsabilidades, como veremos adiante.
Nas relações familiares usuais, há diversos estágios que têm suas exigências de trocas próprias. De início, o bebê, totalmente dependente e igualmente passivo, só recebe. Neste momento não existe a troca entre pais/filhos, pois cada um só pode dar e receber aquilo que é capaz e o bebê pouco pode dar. Aos poucos surgem o sorriso, os sinais de satisfação e o aconchego. Para os pais são dias e noites, anos a fora, de dedicação, sonhos abdicados, necessidades reprimidas muitas renúncias fazendo parte deste pacote, e o amor vai sendo retribuído pelo desenrolar da vida.
Na adolescência normal, o equilíbrio muitas vezes é rompido porque na busca de sua identidade o adolescente usualmente rejeita a forma de dar dos pais, que, por sua vez, não perceberam a sua necessidade de individuação. A contestação é saudável e necessária, mas trabalhosa, quando não sofrida. Graças à Deus essa fase difícil, para as duas partes, passa.
A maturidade chega e usualmente é um tempo mais calmo, com menos trocas, porém, mais focadas nas necessidades específicas. Pais e filhos independentes e produtivos. A idade vai avançando e aos poucos, bem devagarzinho o equilíbrio entre o dar e o receber vai se rompendo novamente. Os pais vão se fragilizando fisicamente e os filhos têm dificuldade em perceber isso, exigindo dos pais o que agora pesa para eles. Quando fica evidente a fragilidade deles, muitas vezes confundem a debilidade física, a necessidade de andar mais devagar, de processar mais devagar as informações muito novas, com senilidade (entendida aqui no sentido social do termo e não clínico).
Neste processo de envelhecimento dos pais, os filhos podem querer comandar a situação, ignorando a opinião dos pais. A falta de tempo, a exigência de agilidade, de objetividade, de foco que estão impregnados no cotidiano da vida dos filhos são transportados para a relação com os pais. Aí vem a falta de paciência, sobram palavras ásperas, descaso quando não abandono e o desequilíbrio entre o dar e receber está estabelecido novamente. Quando os pais são dependentes financeiramente dos filhos a situação se agrava.
Começam a querer decidir pelos pais, a querer ter autoridade sobre eles. Não aceitam a diferença de visão, de valores. Alguns poderão até confrontar diretamente e desconsiderar a dignidade dos pais, desrespeitando as pessoas que estes pais são. Não simplesmente as pessoas que os pais foram, mas desconsiderar as pessoas que estes pais são agora (que, obviamente, é inseparável de quem foram no passado). Reconhecer a dignidade dos pais que envelheceram é crucial, mesmo quando esses estiverem totalmente senis. Isto é honrar os pais. E esta é a condição necessária para o filho sistemicamente poder ter uma vida tranquila. Assim, mesmo com pais senis, que esqueceram quem são, os filhos não podem esquecer. Honrar é tornar a vida deles tão dignas quanto se tivessem lúcidos.
Os filhos precisam nesta fase rever seus conceitos da mesma forma que seus pais tiveram que fazer na adolescência deles. Agora são os pais que muitas vezes sem conseguir retribuir, precisam ser cuidados, amados, não na condição infantilizada onde os filhos apenas simplesmente querem trocar de papéis com os pais. Não há troca de papeis. Pais são pais sempre. O que precisam agora é apenas serem cuidados, com amor, com carinho. Precisam ser compensados pelo que deram afetivamente aos filhos, honrando o lugar (hierarquicamente superior) deles.