Das dores às alegrias

9 abril, 2021

Edebrande Cavalieri |

A Festa da Penha nos leva a celebrar Nossa Senhora das Alegrias oito dias após a Páscoa, uma das sete alegrias de Nossa Senhora conforme nos legou a tradição religiosa.  O Evangelista Lucas nos relata o Magnificat, um verdadeiro hino da alegria, proferido por Maria: “A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador…”.

Frei Pedro Palácios, vindo de Portugal, trouxe um quadro dessa santa e numa gruta ao pé da montanha ele reunia moradores da região, escravos e indígenas para a reza do terço. Segundo a lenda, esse quadro apareceu diversas vezes no alto do morro. Então Pedro Palácios entendeu que deveria construir uma capela no topo do morro e mandou vir de Portugal uma imagem que logo ficou conhecida como Nossa Senhora da Penha. Nascia assim a devoção mariana com a imagem de Nossa Senhora da Penha e com o quadro de Nossa Senhora das Alegrias que hoje fica na lateral da capela do Convento.

A história dessa devoção é repleta de promessas, orações, placas que ficam na lateral da Igreja e objetos que são guardados na sala dos milagres ou ex-votos. É a história de tantas experiências de dor, de sofrimento, de esperança e agradecimento. Em silêncio cada devoto foi trazendo, quase sempre no silêncio e no recolhimento espiritual, sua forma de agradecimento por graça alcançada. Contemplar todos esses objetos é uma forma de mergulhar nas dores de um povo e sua forma de gratidão.

Como no ano passado, não podemos participar presencialmente das diversas celebrações e ritos. Tempo de pandemia, tempo de dores. Vivemos um tempo de muito sofrimento e de muita esperança. Nesse momento que precede a festa, recebi um quadro ilustrativo de Nossa Senhora feito pelo artista ilustrador Rodolpho Valdetaro que me chamou muito a atenção. E vocês podem conferir na foto da chamada do artigo acima. É a imagem de Nossa Senhora derramando lágrimas de sangue com o vestido também todo ensanguentado.

No primeiro olhar, um choque! Um espanto! Com calma, o espírito vai se acalmando e a contemplação se torna um verdadeiro mistério. Cada um de vocês, leitores, poderá descrever o que sentiu ao ver esse quadro. Logo me lembrei que o Filho, Jesus, suou sangue no Monte das Oliveiras. Isso mesmo! Chega a orar ao Pai: “se queres, afasta de mim este cálice”. O sofrimento é angustiante! Tem hora que bate até o desespero. Por isso somos convidados sempre a fortalecer a fé. Nesse calvário da pandemia as pessoas rezaram muito mais no escondido de suas casas!  Tantas dores! Tantas separações dolorosas! Tantos enterros silenciosos!

E também veio entre meus pensamentos uma imagem sempre serena da minha mãe. Raríssimas vezes eu a vi chorar, mesmo nos momentos mais difíceis. Hoje vejo que suas lágrimas, tantas vezes, eram de sangue também, que ela escondia em suas orações. Tantas mães choram lágrimas de sangue por seus filhos levados pelas doenças, pelas violências, pela fome.

Então pude olhar com mais calma o quadro de Maria chorando lágrimas de sangue, com as vestes manchadas também de sangue. E senti que se o Filho suou sangue, como sua mãe deve ter derramado tanto sangue no encontro com Ele no caminho do Calvário, aos pés da cruz, recebendo-o no colo com o coração traspassado e, por fim, enterrando-o no sepulcro! São dores de mãe! Nas dores de Maria tantas mães depositam suas próprias dores e confiam em sua intercessão.

O artista, Rodolpho Valdetaro, de Vila Velha, confessa que todo ano ele faz uma homenagem artística por essa época e nesse momento “queria expressar o acolhimento dela [Nossa Senhora da Penha] com todas as nossas dores e as circunstâncias que essa doença vem trazendo e que mesmo em momento de desespero, independente da religião de cada pessoa, fica a espera que não lhe falte alegria e amor para encarar e seguir em frente”. Esse testemunho me trouxe imediatamente outro título de Maria, tão celebrado pelo povo pobre e sofredor: Nossas Senhoras das Dores.

A devoção à Mater Dolorosa é medieval, porém está em plena sintonia com os Evangelhos. Desta forma, a devoção está marcada pelas sete dores de Maria que vão desde a Profecia de Simeão indicando que ela seria traspassada por uma espada, ao caminho do Calvário acompanhando o próprio filho até seu enterro no sepulcro.

Por outro lado, a devoção à Nossa Senhora das Alegrias nasce entre nós com Frei Pedro Palácios e a construção da ermida com o quadro dessa devoção mariana. O tema da alegria também é profundamente bíblico e São Paulo nos dizia: “Alegrai-vos sempre no Senhor!”. As alegrias de Maria também são indicadas com o número sete, e vão desde a Encarnação, passando pela Ressurreição e sua coroação no céu. Alguns falam inclusive das alegrias pascais, pois celebra-se a festa oito dias após a Páscoa.

E assim passei a entender que nesse ano teremos não apenas a Senhora das Alegrias, festejada como Nossa Senhora da Penha, mas também a Senhora das Dores. No ano passado as duas estavam presentes e nem notamos! Mas os corações dilacerados pela doença sentiram que era preciso recorrer à Mãe das Dores, à Mãe das Alegrias. Dois anos sem festejos com presença física nas diversas procissões e nas celebrações do Oitavário! Alegria e dor se misturam tantas vezes. Completam-se como no parto. Parecem fazer parte da realidade da vida, humana ou não.

As redes sociais tornaram-se obituários virtuais. Como é duro ler uma informação como “não tenho palavras para descrever o vazio de profunda tristeza que vive em nossos corações”. Ou “nossa família vive hoje uma profunda tristeza, mas com a certeza que logo estaremos juntos novamente”. Como é doloroso sair para tomar a vacina e um neto expressar a falta de um avô ou avó levados pela pandemia.

A procissão das dores ainda vai demorar. Ainda vamos ver muitas lágrimas de sangue, muita roupa ensanguentada. O egoísmo humano destrói o cuidado materno da acolhida dolorosa. Tantos parecem dançar diante de sepulturas abertas, diante dos números crescentes de óbitos.

A Senhora das Alegrias está entre nós. Deve ser celebrada. Deve ser abraçada. Essa é agora a nossa esperança. Cada pessoa que está sendo vacinada quer uma foto da alegria desse momento. É preciso registrar. É preciso dizer ao mundo que somente o carinho de mãe estampado na figura de Maria pode curar tantas dores. É preciso reverter as lágrimas de sangue. Chega! Temos meios seguros para barrar a pandemia, parar a abertura de sepulturas. Quem se alegra com o sangue inocente comete um dos maiores pecados. E por fim, “vosso olhar a nós volvei”! Como é tranquilizador o olhar da mãe no momento em que o filho se machuca! Que o mesmo olhar da Mãe que sofre e se alegra toque cada pessoa nesse calvário que estamos atravessando!

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