Edebrande Cavalieri
Acompanhamos no final de semana passada o Encontro A Economia de Francisco que deveria acontecer em Assis no início do ano, mas foi adiado e agora teve que ser realizado online. Dois mil jovens economistas e empresários foram convidados pelo Papa Francisco para esse encontro. O cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, disse na abertura que “Vocês decidiram dar vida a uma rede global de jovens que iniciará a mudança”, “decidiram ajudar o Papa, a Igreja e o mundo a realizar uma economia inclusiva e justa, a serviço de todos, uma economia social que investe nas pessoas, garantindo formação e trabalho digno”. E o Papa Francisco de forma ainda mais profunda nos diz que é preciso “realmar a economia”.
Nessa semana, esse espaço se abre para ouvir um dos jovens economistas convidado pelo Papa para esse encontro e que está entre nós. Trata-se do Seminarista e futuro diácono provisório de nossa Arquidiocese, Vitor Noronha. Ele também escolheu como tema de seu Trabalho de Conclusão do Curso de Teologia a Economia de Francisco, que deverá ser publicado. Então vamos ler o que ele nos diz:
Como aconteceu esse chamado para você participar do encontro A Economia de Francisco com o Papa?
Vitor Noronha: Já que estamos falando de chamado, neste caso, me vejo um pouco como o Profeta Jeremias, que declarou que antes mesmo de estar no ventre da sua mãe, Deus já o chamava para aquela missão (Jr 1,5). Do mesmo modo, me sinto chamado para contribuir na construção de uma Economia de Francisco muito antes do Papa ter convocado este encontro. Aliás, na carta que o convoca, o Papa diz justamente isso, que os jovens já estão criando uma nova economia para uma nova sociedade, que tratava-se de articular, potencializar e organizar essas forças vivas para vencer esta economia do hoje e criar uma economia do amanhã. Então, nos valores que aprendi na Igreja; na participação desde a adolescência em projetos sociais, pastorais sociais e movimentos populares; no que eu tive a oportunidade de estudar, seja na graduação em economia e em teologia, seja no mestrado em filosofia; enfim, tudo, de algum modo, me conduziu para a Economia de Francisco. E, agora, sinto-me estimulado, realmado – como diz o papa – para aprofundar o caminho com um novo vigor, pensar, praticar e criar uma economia que não se sirva da vida, mas esteja a serviço dela.
Como espera colocar em prática a missão decorrente desse chamado na condição de futuro diácono/padre e economista?
Vitor Noronha: Não sei, porque essa é uma tarefa coletiva. Não existe diácono ou padre no vácuo, seria uma aberração pensar em um pastor sem as ovelhas. De fato, sei de algumas coisas, por exemplo que o sistema é estruturalmente perverso, como diz o Papa Francisco na Laudato Si’. Então, nada que venha do sistema, nem da lógica da mundaneidade que faz reproduzir esse sistema, é compatível com o Evangelho de Jesus. Também sei que, pela graça de Deus, receberei o Sacramento da Ordem, primeiro o grau diaconal e depois o presbiteral, que é o sacramento do serviço por excelência. Então, quero estar junto ao povo, não em cima governando, mas embaixo lavando os pés. Por isso, existe muito mais coisas que eu não sei, como, por exemplo, quem será este povo e quais são as suas necessidades. Então, é difícil responder. Se, por exemplo, houver projetos sociais e pastorais sociais, certamente será uma prioridade. A rigor, eu só sei que quero amá-lo e servi-lo, especialmente nos últimos. De resto é estar aberto para as surpresas de Deus, especialmente nas necessidades concretas da Igreja, em comunhão com o nosso Bispo.
Eu gostaria que você comentasse uma frase do Papa Francisco no encerramento do Encontro: “Para mim, este encontro virtual em Assis não é um ponto de chegada, mas o impulso inicial de um processo que somos convidados a viver como vocação, como cultura e como pacto”.
Vitor Noronha: É uma ideia que o Papa tem trabalhado muito, desde a Evangelii Gaudium, mas em muitos documentos e discursos. Fundamentalmente, é compreender que o processo é mais importante do que aquilo que foi ocupado, pois o processo acumula. Do mesmo modo, o tempo é mais importante que o espaço. Então, ele vê a Economia de Francisco como lugar de construir processo, de articular, de pensar e praticar uma nova economia. Não há um plano de pegar os dois mil jovens e alocá-los em Governos, Bancos Centrais e diretorias de grandes empresas. Talvez, assim, só fariam o mesmo que a geração anterior. O Papa Francisco nos chama para ser dirigentes de um processo, incluindo tantos outros, de modo especial os últimos, essa é a nossa vocação (do latim vocare = chamar). Ao mesmo tempo, trata-se de fazer uma nova cultura, não uma cultura do provisório, do descartável, do consumismo. Mas, uma cultura do encontro e da fraternidade universal. Por isso, é necessário um pacto, no sentido de um acordo e um projeto. Se o sistema capitalista é insuportável, pois não suporta o camponês, os trabalhadores, as comunidades e a Mãe Terra, é necessário estabelecer um pacto inspirado em São Francisco de Assis. O pobrezinho de Assis teve no centro da sua vida os pobres e a criação. Essa é a alma da nova economia que o Papa nos chama a nos comprometer e contribuir para criar.
Que pontos que foram mais marcantes nesse encontro em sua percepção?
Vitor Noronha: Tantos. Diria que ainda estou meditando, refletindo, até ruminando, aquilo tudo que foi vivido no encontro virtual deste ano e, em expectativa, já esperando o presencial em novembro de 2021. Primeiro, diria que não concordo com a alcunha de “Davos do Papa”, ao menos por dois motivos. Em primeiro lugar, que não é só do Papa, é convocada pelo Papa, inspirada em São Francisco, mas aberta para todas as religiões, credos, países e culturas. Em segundo, porque é mais uma “anti-Davos” do que uma “Davos alternativa”. É a favor de uma outra economia, de outro sistema, não que mate, exclua e gere desigualdade, mas que esteja à serviço da vida. Mas, destaco três presenças marcantes. A primeira é a o do próprio Papa Francisco, dizendo por exemplo não devemos nos submeter ao paradigma tecnocrático, mas colocar a economia e a política à serviço da vida. Uma segunda é do Leonardo Boff, muito conhecido dos brasileiros, articulando seu conceito-síntese de grito da Terra e grito dos pobres, que foi assumido pelo Papa Francisco na Laudato Si’. Um terceiro, não menos importante, foi o Padre Vilson Groh, de Santa Catarina, que partilhou uma linda experiência, a Casa de Francisco e Clara. Uma instituição que é inspirada, numa perspectiva de vivência e imersão, na Economia de Francisco.
Adiante para os leitores um ponto da sua pesquisa sobre a Economia de Francisco.
Vitor Noronha: Creio que a contribuição mais importante é demonstrar que existe no Magistério do Papa Francisco uma crítica teológica ao sistema estruturalmente perverso, usando linguagem religiosa, ou, em linguagem secular, uma crítica à economia política. Por isso, frases como “esta economia mata”, da Evangelii Gaudium, ou “este sistema é estruturalmente perverso”, na Laudato Si’, não são ocasionais. Mas, compõem um pensamento sistemático que, inclusive, tem muita correlação com a reflexão feita pela Teologia da Libertação, não só com o ramo argentino ao qual o Papa é proveniente, conhecido como Teologia do Povo, mas também com reflexões mais surpreendentes, como por exemplo àquela sobre idolatria da chamada escola do DEI (Departamento Ecumênico de Investigações, Costa Rica). É impossível compreender como o Papa pensa e interpela o sistema, sem compreender sua opção preferencial pelos pobres e sua latino-americanidade. É a partir da periferia, seja econômico-social, seja geográfica, que ele estabelece sua crítica. Por isso, a economia capitalista é vista como fetichista, porque produz vítimas. Portanto, para se produzir uma nova economia que promova a vida e inclua, é necessário partir das mesmas vítimas do sistema, os pobres e suas periferias.
A Arquidiocese de Vitória teve como escolhidos além do Vitor Noronha, a Crislayne Zeferino e Marcos Herkenhoff. São três jovens vocacionados para caminhos bem específicos. Eles não apenas representam os demais jovens da Arquidiocese, mas se juntam a tantos outros pelo mundo inteiro que são chamados para uma grande mudança da economia, pensando novos modelos de desenvolvimento, de progresso e de sustentabilidade. Para esses jovens é colocada como tarefa o rompimento e a superação de uma orientação que além de alienar só irá perpetuar as dinâmicas da degradação da casa comum, da exclusão da maior parte da humanidade, da violência produzida para assegurar essa dinâmica perversa.
E nos alerta o Papa Francisco a respeito do período pós-pandemia: “Passada esta crise sanitária que estamos vivendo, a pior reação seria cair ainda num febril consumismo e em novas formas de autoproteção egoísta”. E nos diz que essa é a hora. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, nos diz a música de Geraldo Vandré. Por isso, “colhamos a oportunidade e coloquemo-nos todos a serviço do bem comum. Que no final não existam mais ‘os outros’, mas um grande nós”. É para isso que os jovens são convocados pelo Papa Francisco. É preciso superar a “economia que mata”. São chamados para dar vida a essa cultura econômica, para fazer florescer esperanças, para enfaixar feridas e criar relações.