
César Delarmelina I “Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Mc 7, 8).
A Liturgia da Palavra deste XXII Domingo do Tempo Comum nos leva a refletir acerca da harmonia que deve haver entre os atos externos e as disposições internas do nosso louvor e seguimento a Deus. Jesus, ao tratar da pureza, indica o real lugar de sua procedência, e o que é necessário para alcançá-la.
A começar pela Primeira Leitura (Dt 4, 1-2. 6-8), o Senhor Deus deixa claro ao povo da Antiga Aliança, pela palavra de Moisés, que o proceder da nação escolhida deve ser diverso dos outros povos, e que seu distintivo é a guarda sincera dos mandamentos. Guardar e praticar os mandamentos de forma regrada (sem nada acrescentar ou tirar) é sinal de inteligência, sabedoria e nobreza (Dt 4, 6); é consequência lógica de um bom-senso que, iluminado pela graça de Deus, pode conduzir o homem e a sociedade por caminhos seguros, e inspirar nos demais semelhantes sentimentos da mais elevada consideração.
Se a Primeira Leitura exorta à guarda perfeita dos preceitos divinos, o Salmo Responsorial (Sl 14), no mesmo seguimento, fornece alguns elementos da “receita” a ser seguida por aqueles que desejam este intento: só poderá adentrar a casa de Deus quem caminha sem pecado, pratica a justiça, que se conserva na verdade e honra o Senhor. O Apóstolo São Tiago, na Segunda Leitura (Tg 1, 17-18. 21b-22.27) endossa os ensinamentos precedentes, ao exortar a comunidade não à mera escuta, mas à prática entranhada da Palavra de Deus: uma prática que deve transcender e significar todas as demais práticas particulares.
De práticas, os fariseus do tempo de Jesus entendiam muito bem. Eram eles os grandes intérpretes da Lei, muito rigorosos em sua observância, pois que acrescentavam a ela tradições particulares, ora deixando-a mais severa, ora mais suave, segundo seus interesses. É a eles que Jesus, no Evangelho (Mc 7, 1-8.14-15.21-23), deseja dar uma lição.
Como se sabe (e a experiência dos últimos tempos tem mostrado), a higiene dos utensílios e do corpo tem grande importância para a manutenção da saúde e da aparência. No entanto, a repreensão dos fariseus aos discípulos de Jesus, logo no início do Evangelho, pouco tem a ver com etiqueta e saúde: o motivo real da censura é o não seguimento de tradições e costumes que, em seu significado ritual, desde há muito mostravam-se vazios por funcionarem como reflexo de uma pureza meramente exterior (legal), representativa e degenerada. Jesus não condena o hábito de purificar-se, mas sim à impureza encrostada no coração dos hipócritas, que é muito mais difícil de limpar (Mc 7, 6). Em verdade, o culto, as doutrinas e mandamentos deveriam ter sua motivação em Deus, para, a partir d’Ele, transformar os corações e enfim transbordar nas manifestações rituais que tanto impressionam e deleitam os sentidos.
“Escutai todos e compreendei…” (Mc 7, 14b): Jesus, chamando a atenção dos ouvintes, prepara-se para dar seu veredicto a respeito do que pode ser considerado puro ou não; e afinal declara serem a malícia e as paixões desordenadas emanadas do coração humano a verdadeira fonte de toda a maldade e impureza. Com este ensinamento, o Mestre convida a repensar a utilidade das práticas, se consideradas como sinal e consequência de elementos mais sublimes: de inteligência e de sabedoria verdadeiras (Primeira Leitura); e de escuta e prática da Palavra de Deus (Segunda Leitura),
Com a Liturgia de hoje, somos provocados por Jesus acerca da fecundidade de nossos costumes de fé e devoção, e de nossa vivência comunitária, espiritual e litúrgica. Queira Deus não seja o nosso caso o mesmo daqueles fariseus: inclinados ao impiedoso automatismo, fruto de hipocrisia e dureza de coração!
Peçamos ao Coração de Jesus, por intercessão de Nossa Senhora, que nos ajude na árdua tarefa de coadunar pureza interior e exterior; de modo a que possamos, de forma sempre renovada e consciente, alimentar em nós o que é bom e guardar com solicitude o que recebemos (Missal Romano – Oração do dia). Que assim seja!
César Augusto Flegler Delarmelina
Seminarista do 2º ano de Teologia.
Paróquia de Origem: São Sebastião – Afonso Cláudio.
Paróquia de Estágio Pastoral: Cristo Rei – Campo Verde – Cariacica.
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução oficial da CNBB. 2. Ed. Brasília, Edições CNBB, 2019.
TUYA, Manuel de. Biblia Comentada, Texto de la Nácar-Colunga II: Evangelios. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1964.