FAMA E SACERDÓCIO

18 agosto, 2023

Em uma entrevista recente para a Rádio Itatiaia, Padre Fábio de Melo dizia que sempre acreditou que a fama seria perfeitamente conciliável com o sacerdócio, mas hoje reconhece que tem outra percepção. A fama pode prejudicar o sacerdócio e para isso ele tem tomado cuidado a cada momento. E completa: “Um dia eu descobri que muito tempo eu menti para mim. Eu dizia que a fama é perfeitamente conciliável com o sacerdócio, mas não é não. São duas coisas muito diferentes. A fama pode ofuscar profundamente o meu sacerdócio. Todo santo dia tenho que me lembrar o que eu sou e o que eu quis da minha vida. Eu quis ser padre. Eu sou essencialmente padre e, aonde quer que eu esteja, eu quero ser padre”.

Com o advento da cultura digital e das redes sociais os limites da ação pastoral não estão mais demarcados geograficamente. O padre pode ter uma paróquia, contudo sua influência se estende muito além desse limite eclesiástico. O padre Fábio, por exemplo, possui em suas redes sociais 25 milhões de seguidores. Por onde passar, na rua ou descansando, em volta de si estarão sempre centenas de pessoas querendo pelo menos uma fotinha no seu celular. Com certeza, o ego ficará muito inflado, mas onde fica seu lugar de sacerdócio? Cresce cada vez mais o número de líderes religiosos com dons artísticos fantásticos. Porém, essa questão levantada pelo padre Fábio merece algumas reflexões.

Gostaria de compartilhar muito essa fala do padre Fábio de Melo. Ela não é apenas importante para os seminaristas que estão se formando para o sacerdócio, para os padres já formados, mas principalmente para o povo de Deus. Nas últimas décadas, a cultura pentecostal sob a influência da cultura gospel desencadeou inicialmente no meio evangélico a emergência de líderes religiosos que são verdadeiros artistas que são utilizados para atrair as pessoas para suas Igrejas. Hoje vemos que algumas figuras dessa cultura constituem verdadeiras empresas que são contratadas pelas Igrejas a preços elevadíssimos.

O sacerdócio não pode ser objeto do mercado. Não está à venda e nem pode ser consumido como uma coisa. O sacerdócio é um serviço, que decorre de uma vocação. O perfil para o ministério ordenado segue outras características, outros caminhos. A sedução do mercado transformou a coisa religiosa, seja ela qual for, em objeto de consumo a preços muito elevados. Ao contrário, o serviço na Igreja e para a Igreja é dom, é gratuidade. Nenhum padre tem salário determinado pela fama. Nenhum pregador se define pelo valor monetário de suas palavras. Houve um tempo na Igreja que os bons pregadores eram pagos pelas irmandades com valores elevadíssimos.

Por outro lado, e talvez seja o ponto mais importante, o sacerdócio não pode ser buscado pelos fieis como se estivessem atrás de um mito, um artista, um influencer. Temos a tendência, como seres humanos, de misturar os lugares e buscar algo que na verdade não é. O padre deve ser buscado enquanto padre, enquanto pastor, enquanto servidor do Povo de Deus. Podemos seguir determinado sacerdote nas redes sociais com muita tranquilidade e isso ajuda na evangelização. Esse é um caminho muito adequado para aproximação com a camada jovem. Porém, jamais poderia ser seguido como se fosse um mito, um artista de televisão agora substituída pelas redes sociais.

A nossa fé não está marcada pela adesão como seguidor de um determinado ministro, muito menos como se fosse um guru, porque a fé nos reúne na comunidade e nos faz comunidade e nela deve ser vivida. Então o caminho é na direção da comunidade e não de uma determinada pessoa. É preciso tomarmos cuidado com algumas atividades pastorais que reduzem o compromisso da vivência comunitária da fé. Por isso é tão desafiador o chamado “turismo religioso” para o crescimento da fé.

A partir da comunidade a nossa missão é tornar o Reino de Deus presente no mundo vivendo um amor fraterno, humilde e de serviço aos caídos à beira do caminho. A Igreja não é uma empresa de negócios ou uma ONG como nos diz o Papa Francisco. O grande desafio do ministério sacerdotal está exatamente no serviço aos pobres e marginalizados, que não dá ibope, não alimenta o mercado. Por isso a percepção do padre Fábio de Melo sobre a incompatibilidade entre fama e sacerdócio, pois serviço aos pobres e exercício da profecia não estão adequados às leis de compra e venda. “A fama pode ofuscar profundamente o meu sacerdócio”, confessou.

Edebrande Cavalieri

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