Homilia Quinta-feira Santa 2020

Meus irmãos e minhas irmãs 

Paz e bem! 

Quero saudar a cada um, a cada uma que participa conosco dessa celebração pelos meios de comunicação em suas casas, e de um modo particular, saudar a nossa Rádio América, a TVE e a todos os outros veículos de comunicação. Deus seja louvado! 

Desejo a todos vocês a ternura de Deus dessa noite Santa, o Seu silêncio, a luz da lua, o resplendor da Luz Divina que ilumina cada lar, cada Igreja Doméstica e o coração de cada um de vocês.  

Iniciamos com essa Celebração, o Tríduo Pascal. Essa não é simplesmente uma preparação para a “Celebração da Solenidade Pascal”, mas a Celebração da Páscoa no decorrer de três dias. A unidade das Celebrações é sentida, desde os ritos que as compõem, como única unidade celebrativa. O caminho proposto nos dias, e até mesmo na própria Liturgia da Palavra de cada um deles, passando pela adoração da Santa Cruz, tendo seu ápice na solene Vigília Pascal, que se une à Celebração do Domingo de Pascoa. 

Hoje, momento em que atualizamos o mistério de Jesus de Nazaré por seus serviços dedicados aos seus apóstolos, lavando seus pés, ao mesmo tempo a sua entrega definitiva enquanto pão e vinho, seu Corpo e Sangue para a vida do mundo. Instituindo a Eucaristia, aqui nasce o sacerdócio. Assim sendo, vemos a Liturgia da Palavra dessa noite ressaltar o valor da missão de Jesus junto de seus discípulos, e de como Ele os formou desde os menores detalhes para o serviço e a missão. Veja que coisa linda, assim começa o início do Evangelho; “ Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.” Podemos entender essa frase de dois modos; o primeiro, a entrega de Cristo na cruz, o segundo, indicado a plenitude do amor, isto é, a realização pela do amor que se entrega. 

Assim meus irmãos e minhas irmãs, Deus nos convida a voltarmos para dentro de nós mesmos. O que sempre foi celebrado em nossas comunidades com fé e devoção, hoje a mesma fé e a mesma devoção nos faz voltar ao aconchego dos nossos lares e nos reunimos como irmãos, unidos pelo sangue familiar, e a celebrar a memória da entrega de Cristo, enquanto o pão que alimenta e dá a vida, e enquanto vinho que nos salva e dá coragem.  

Em Israel, nos tempos de Jesus, celebrava-se a Páscoa em casa, na intimidade do lar. Fazia-se assim a memória da primeira Páscoa no Egito, da noite em que o sangue do Cordeiro Pascal, aspergido nos portais das casas, protegia contra o exterminador, como ouvimos na Primeira Leitura. Na noite, na passagem do anjo, as famílias dos hebreus comiam o cordeiro, em suas casas, às pressas, com os rins cingidos, obedecendo às palavras de Deus e Moisés, para que, logo em seguida, experimentassem a libertação. 

Por sua vez, Jesus enquanto pertencente à religião judaica, quis celebrar a Páscoa com seus amigos. Mandou preparar lugar adequado, que os inspirassem o recesso do lar de cada um deles, e ali, ocupou o lugar do Pai, lavado os pés de seus convidados. É que no tempo de Jesus o anfitrião lavava os pés de seus convidados. Na Ceia de Jesus, o anfitrião e Deus, mas é seu Filho que ocupa o Seu lugar e purifica os pés de seus convivas. Gesto nobre de Jesus, Em sua humanidade, tornou-se obediente, pois não veio fazer sua vontade, mas a vontade de quem o enviou. E a vontade de quem o enviou era que, naquele momento, ele se despisse de toda vaidade e se prostrasse aos pés de seus discípulos. Mesmo com espanto e rejeição de Pedro. Jesus preenche o coração de seus amados, que a pouco deixaria neste mundo, com a água da vida que é Ele mesmo. 

Assim vemos que Jesus em sua Última Ceia já sabia o que o aguardava, e ainda assim, foi capaz de um gesto tão significativo e verdadeiro, no intuito de demonstrar de forma clara qual o tipo de comunidade desejava para seus discípulos. Isto é, uma comunidade de discípulos missionários. Uma comunidade que se coloca à serviço por meio da misericórdia e compaixão. 

Mesmo com seu coração amargurado, pois estava chegando a hora de passar deste mundo para o Pai, como se não bastasse, na intimidade do lar, que naquele momento de revela Cenáculo, Jesus concede a seus discípulos o dom da Eucaristia, ou seja, Jesus entrega realmente seu corpo e seu sangue atravessando o limiar da morte, torna-se pão vivo, verdadeiro maná, alimento inexaurível para todos os séculos. A carne torna-se pão de vida. O sangue, vinho que lava e arranca para todo o sempre, todo pecado do mundo. Contudo, desta intimidade, que é dom muito pessoal do Senhor, a força do Sacramento da Eucaristia, vai além das paredes de nossas igrejas e alcança especialmente nesta noite santa, o lar e o coração de todos que celebram conosco. É a Igreja Doméstica. 

Neste Sacramento o Senhor está sempre a caminho do mundo. O mistério de sua presença se faz vivo e atuante em todos os lares que conosco se unem na comunhão de sua entrega pela vida do mundo. Nesta noite, a Igreja orante sente um desejo profundo de viajar com Jesus, de não o deixar sozinho na noite do mundo, na noite da traição, na noite da indiferença de muitos. 

Meus irmãos e minhas irmãs. Acredito que esse tempo é de graça, pois o Senhor nos concede sentir a sua presença que se entrega por nós, ao mesmo tempo nos convoca a observar seu novo mandamento, que é o amor incondicional a todos com os quais experimentamos esta caminhada de humanos, limitados na verdade, mas portadores da graça de portar o seu modo de ser, que nada mais é do que o amor que ele nos deixou. Hoje, em suas casas, nas Igrejas Domésticas, como os primeiros cristãos, eu vos convido a experimentar Jesus Eucarístico no pão de cada dia, que a sua bondade nos concede e a serem portadores da graça da partilha deste pão a todos os irmãos que não o tem. 

O nosso exemplo de solidariedade é a prova de nossa confiança no amor que Ele dispensou a cada um de nós e que nos capacita a nos encontrar em prece, por mais diferente que sejamos, que possamos unir nossa prece, com fé esperança e amor e confiar-lhe toda nossa vida e a vida de todos os que sofrem. De modo especial o que estão na rua sem casa, sem teto, os doentes. Repito a frase do nosso Papa Francisco: “A rua não é lugar para ninguém morar e para ninguém morrer.” 

Confiemos a Jesus nossas estradas, nossas casas, a nossa vida cotidiana. Que nossos caminhos sejam de Jesus! Que as nossas casas sejam para Ele e com Ele nesta noite e em todas as outras! A nossa vida, de todos os dias, esteja penetrada de sua presença. Que possamos nos 

solidarizar, também, com quem não tem um lar para se abrigar neste tempo de pandemia. Que possamos estar unidos, em oração, aos jovens, que ainda não encontraram sentido para suas vidas, aos idosos esquecidos por suas famílias em asilos ou casas de repouso. 

Que possamos nos solidarizar com os que sofrem com a contaminação do Covid-19 e que, também, a nossa prece alcance a todos os profissionais de saúde. Que a nossa fé em Jesus que se entrega por nós, seja traduzida na nossa obediência a sua Palavra que hoje é proclamada, também pelos profissionais de saúde que insistem para que fiquemos em casa, para que tenhamos a vida que Deus quer que tenhamos. 

Vigiemos irmãos, com Jesus nesta noite santa, acreditando que há de brilhar o sol de nosso dia e que ele jamais experimentará o seu acaso. Caminharemos, pois na luz do infinito amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Dom Dario Campos 

Arcebispo da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo