Homilia Sexta Feira Santa 2020

Meus irmãos e minhas irmãs, 

Paz e bem! 

Que a paz de Jesus de Nazaré seja uma presença constante na vida de cada um de vocês. 

Quero saudar a todos os que neste momento estão sintonizados conosco pelas redes sociais e rádio América. A todos o meu fraternal abraço de paz e bem e a minha certeza de que a morte não tem a última palavra sobre a vida, porque a vida é de Deus. Este mistério da vida é o que dá o sentido de estarmos aqui celebrando a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, aqui e em nossas casas, ou seja, em nossas igrejas domésticas. 

Esta tarde é diferente de todas as outras, é a tarde em que o Filho de Deus é suspenso na cruz. É nesta tarde que Jesus de Nazaré encarna a Paixão do Mundo para redimi-lo em caminho de Redenção. Para captarmos o significado permanente da Sexta-Feira Santa, sinistra e libertadora, precisamos situá-la dentro da vida de Jesus. Uma vida comprometida com os simples, com a pobreza, com a dor do irmão e da irmã e não com a glória do poder. 

Acabamos de ouvir a narrativa da Paixão de Jesus, escrita por São João Evangelista. João, em todo o seu Evangelho, preparou-nos para esta hora, a hora da revelação máxima de Deus. Hora em que toda a Criação encontra o sentido de sua existência n’Ele, o Cristo de Deus, que em Sua Cruz, consuma todo o tempo: passado, presente e futuro. Jesus traz para si, na Cruz, a consumação dos tempos. Faz com que todo o criado morra em sua Morte e ressuscite em sua Vida que é eterna. É a vida nova que Ele, Jesus de Nazaré, pela sua entrega e doação máxima, até à morte de cruz, inaugura para toda a humanidade. 

Precisamos compreender corretamente porque Jesus devia morrer, conforme dizem as Escrituras cristãs. Jesus não se conformou com este mundo. Ele anunciou a total superação e transfiguração da criação. Em nome de Deus Pai, Ele fala de uma situação decadente e pecadora deste mundo. Em contrapartida propõe o projeto último de Deus que é de libertação deste mundo em seu pecado, em sua injustiça, em seu poder opressor, transformando-o em Reino de Deus. Convidamos a todos à conversão. E, essa conversão, implica ruptura, abandonar um modo de pensar e de agir e assumir novas atitudes, reveladas nas palavras e nos gestos de Jesus. 

Diante da fala de Jesus, todo o homem é colocado numa situação de crise e de necessidade de decisão. Não pode ficar neutro. O Evangelho, essencialmente, provoca um conflito e divida as águas. Ele é Boa Nova somente para os convertidos, Não é Boa Nova para o fariseu, para aquele que se instala neste mundo e no projeto de riqueza, que pensa no lucro e subir na vida a qualquer custo. Para este, Ele é má notícia. Veja a atitude do jovem rico. 

Na narrativa de São João, ele nos prepara para a contemplação desta hora derradeira. E em vários momentos da vida de Jesus. Ele alertou aos seus discípulos sobre a sua hora. Podemos ver, no capítulo 2 do evangelista que nos mostra Jesus dizendo a Maria, nas Bodas de Caná: “Mulher, porque dizes isto a mim, a minha hora ainda não chegou”. A hora de sua verdadeira Boda, a sua entrega, o seu Sangue doado para a vida e alegria do mundo. Ele, o verdadeiro noivo, sabia bem, já que fora apresentado por João como a Palavra que se fez carne e habitou entre nós”.

 

Meus irmãos, vejam que coisa bonita! Como se não bastasse, diferente dos outros evangelistas que precisaram de outros personagens para apresentar Jesus, como o Messias esperado, em João, Ele, o próprio Cristo se apresenta como: “Eu sou. Eu sou a fonte de Água Viva, Eu sou a Ressurreição e a Vida. ‘Eu sou’, foi a apresentação de Deus a Moisés quando este lhe perguntou que deveria apresentar ao Faraó, enquanto mandatário da libertação do POVO HEBREU. OPRIMIDO NO Egito. Jesus é a Palavra que existe antes de tudo ser criado. No prólogo do Evangelho de João, encontramos esta afirmação da comunidade: “No princípio era a Palavra, a Palavra estava em Deus, a Palavra era Deus, a Palavra se fez carne e habitou entre nós”. 

A menção à sua hora volta no capítulo 12 do Evangelho de João, quando ele pede ao Pai, no versículo 17: “Pai, slave-me desta hora”. Jesus em sua condição humana, experimenta a tormenta de saber que em breve passará pela Paixão e Morte. Porém, sua missão ultrapassa o seu querer e dá continuidade ao seu processo de revelação, fazendo história na história da humanidade. 

No capítulo 13, mais uma vez, João introduz Jesus na consciência de que havia chegado a sua hora. E, por isso, quis celebrar a Páscoa com os seus discípulos. A narrativa da ceia de Jesus com os seus discípulos é permeada de seu derradeiro discurso para que os seus discípulos entendessem que a sua missão não era ser servido, mas sim, colocar-se a serviço e, mais que tudo, AMAR sem medida. Ele deixa para seus amados discípulos o Sacramento do Amor. 

Na continuidade do reconhecimento de Jesus, sobre a chegada de sua hora, encontramos no Capitulo 17, em sua oração ao Pai: Pai, chegou a hora. Toda a vida de Jesus é preparação para esta hora, hora de sua Redenção, hora em que o mundo dá sentença de que prefere as trevas a viver em sua luz. O amor de Jesus para com a humanidade é tamanho, que ele se entrega aos seus algozes. É maltratado e sofre as piores dores. Silenciosamente acolhe todo o sofrimento em obediência à quele que o enviou. Desfigurado, o servo de Deus sente transpassarem-lhe a alma com tamanho descaso e sofrimento que lhe foram impostos. 

A rejeição do mundo, a solidão doída, oscilando entre o céu e a terra, fazem do Deus que se fez um de nós, para os olhos do mundo, o pior dos condenados, a ponto de não poder morrer dentro dos muros de Jerusalém. É para fora que Ele carrega a sua Cruz. E é para dentro do coração humano que Ele solidifica o mistério da redenção. Suas palavras na Cruz não foram muitas, mas obtiveram bastante significado. É importante determo-nos no seu diálogo com João, o discípulo que Ele amava e, com Maria, que Ele chama de Mulher, para trazer na pessoa de Maria, todas as mulheres do mundo, principalmente as que sofrem com as injustiças e maldades do mundo, frente a seus filhos. Jesus diz a João: Eis aí a tua mãe. Logo diz a Maria: Eis aí o teu filho. Era necessário que João recebesse Maria em sua casa, para justificá-la, já que ela não tinha o marido e nem a Ele, Jesus, o Fruto Bendito do seu ventre. 

A derradeira palavra de Jesus foi remetida ao Pai. Depois de seu sentimento de abandono e solidão, o coração confiante do Filho se abre por inteiro e reúne suas forças para a entrega definitiva. Naquele derradeiro momento, não é Deus que morre, mas o homem Deus que realiza sua missão. É o Filho que se entrega totalmente nas mãos d’Aquele que o enviou: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Morre o filho de Deus. Morre o fruto bendito do ventre de Maria. 

A cruz, na teologia paulina, tem um primado fundamental na história da humanidade, porque ao dizer cruz, o Apóstolo se refere à nossa salvação. A salvação é entendida por Paulo, como graça de Deus para todas as suas criaturas humanas. O Sumo Sacerdote que é Jesus, entra no mais alto dos céus e nos garante a participação em sua vida divina, na Verdade. A Cruz é escândalo e loucura. Escândalo porque era utilizada para os piores condenados e, loucura, porque Deus se permitiu passar pelo objeto de escândalo e transformá-lo em porta para a nossa salvação. 

Celebrar o mistério da Morte de Cristo, não teria sentido se não vislumbrássemos, enquanto Igreja, assembleia de homens e mulheres livres, a sua Ressurreição. É a vida nova que nos garante o sentido desta celebração. Cristo inaugura para todo o sempre, com sua morte, a verdadeira vida para todos nós. É a sua cruz que nos sustenta neste momento em que experimentamos o sofrimento e a morte tão perto de nós. No mundo todo, a Paixão de Cristo tem sua continuidade nos milhares de irmãos e irmãs que padecem e que morrem pelo contágio do coronavírus. Repito aqui as palavras do nosso Papa Francisco: “a rua não é lugar de morar e nem lugar de morrer”. A Paixão de Cristo, em nossos dias, se manifesta na paixão de tantos e tantas que perderam seus entes queridos e que sofrem a insegurança de portarem esse vírus, também. 

Havemos de nos deter, ainda, em outros milhares que sofrem a exclusão social: os refugiados, os imigrantes, os prisioneiros, os que são rejeitados pela sociedade por seu modo diferente de ser, os que não têm lar, os que padecem e sofrem todo o tipo de rejeição social. Meus irmãos e minhas irmãs, são inúmeras as situações de morte em nosso tempo, no nosso mundo. A vontade de Deus é que nós, que paramos hoje para celebrar a Morte de seu Filho nos cobnvertamos, cada vez, à vida. Não a vida somente para nós e para nossa família, mas para todos, pois foi para isso, que Deus se fez um de nós. Encontramos no Evangelho de São João, a passagem de Jesus que diz: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância”. É para esta vida que fomos criados. É para o mundo de paz, de cuidado, de carinho e compreensão que fomos feitos. É para a comunhão de todos, como irmãos de sangue, que somos chamados a trilhar nosso caminho, reconhecendo que o mesmo sangue jorrado por só um na cruz, fora jorrado por todos, sem distinção, pois Ele não faz distinção de pessoas. 

Celebramos a morte do Filho de Deus que se fez um de nós. Nosso coração se entristece nesta hora, mas haveremos de nos alegrar, pois para Deus nada é impossível. E, juntos, poderemos cantar com alegria a vitória de Jesus sobre a morte, quando Ele, pela ação prodigiosa de Deus, vence a própria morte e nos garante a vida que Ele veio nos dar. 

A hora de Jesus teve seu início, o seu meio e o seu fim, segundo o Evangelista São João. O mistério da fé da Igreja, faz com que a hora de Jesus tenha a sua continuidade na vida da comunidade dos discípulos e na vida da Igreja que, durante este 21 séculos pode clara e confiantemente proclamar: “Ele está no meio de nós”. 

Dom Dario Campos 

Arcebispo da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo