Humanae vitae: e a reflexão dos teólogos

19 maio, 2023

O presidente da Pontifícia Academia para a Vida, em uma entrevista ao Vatican News, reflete sobre alguns aspectos da Encíclica de Paulo VI, no centro de um encontro promovido em Roma pela Cátedra Internacional de Bioética Jérôme Lejeune.

“Penso que esta Encíclica deve ser lida, hoje, em sua atualidade, que diz respeito à generatividade das relações humanas”. É o que afirma dom Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, ao refletir com o Vatican News sobre algumas questões centrais colocadas pela Humanae vitae de Paulo VI, no centro de uma conferência em Roma organizada pela Cátedra Internacional de Bioética Jérôme Lejeune (19 e 20 de maio).

Dom Paglia, o senhor já disse no passado que a bioética nos leva a refletir sobre o tema da vida em todos os seus aspectos. Hoje somos chamados a abordar a salvação do planeta e da humanidade, e a dimensão da bioética global requer uma aliança entre todas as ciências. Nesse sentido, olhando para os documentos da Igreja, qual é a sua avaliação sobre a Encíclica Humanae vitae, 55 anos após sua publicação?

Gostaria de me deter em um aspecto que considero essencial. Estou me referindo ao nexo constitutivo entre sexualidade, amor conjugal e geração, que é o tema altamente atual da Humanae vitae. A afirmação se encontra no n. 9, onde Paulo VI recorda as quatro “características” fundamentais do amor conjugal: um “amor plenamente humano, isto é, ao mesmo tempo sensível e espiritual”, um “amor total, isto é, uma forma muito especial de amizade pessoal”, um “amor fiel e exclusivo até a morte”, um “amor fecundo”. O amor conjugal, como tal, é fecundo, superando de uma só vez a antiga questão da relação entre os fins do matrimônio, o fim primário (prolis generatio et educatio) e o fim secundário (mutuum adiutorium e remedium concupiscentiae). Dessa forma, a fecundidade da geração foi considerada uma característica intrínseca do amor conjugal e não um acréscimo sucessivo.

Como sabiamente percebemos hoje, é necessário nos perguntarmos como a questão colocada pela Humanae vitae pode continuar a alimentar a compreensão do nexo entre sexualidade, amor conjugal e geração, que emergiu com maior clareza à luz da perspectiva personalista. E é por isso que considero muito importante que continuemos a refletir e discutir sobre o assunto, como o Papa Francisco reiterou precisamente sobre o tema dos contraceptivos, afirmando “que o dever dos teólogos é a pesquisa, a reflexão teológica. Não se pode fazer teologia com um ‘não’ diante de si. Então será o Magistério que dirá: ‘Não, você foi longe demais, volte’. Mas o desenvolvimento teológico deve ser aberto, os teólogos estão ai para isso” (Coletiva de imprensa durante o voo de retorno do Canadá, 29 de julho de 2022).

Qual é a mensagem e o valor da Encíclica?

O reconhecimento da conexão inseparável entre o amor conjugal e a geração na Humanae vitae não significa que todo relacionamento conjugal deva ser necessariamente fecundo. Com essa afirmação, a Encíclica retoma a abertura de Pio XII na famosa Alocução às Parteiras em 1951. É por essa razão que, retomando, além disso, uma intuição muito feliz do Concílio (GS n. 50 e 51), Paulo VI reconhece que a procriação deve ser “responsável” e – como é sabido – aponta para os métodos naturais como o caminho para realizar essa responsabilidade. Posteriormente, na Exortação pós-sinodal Familiaris consortio, João Paulo II enfatizará a necessidade de uma reflexão teológica para aprofundar – além do mero perfil biológico – o valor antropológico e moral da “escolha dos ritmos naturais“: isso, de fato, “implica a aceitação do tempo da pessoa, isto é, da mulher, e com essa aceitação também do diálogo, do respeito recíproco, da responsabilidade compartilhada, do domínio de si” (32 d).

No parágrafo 14 da Humanae vitae, Paulo VI afirma que qualquer meio que impeça a procriação é ilícito, uma proibição que teria causado uma “distância” entre os fiéis e o Magistério. O que senhor pensa sobre isso?

De minha parte, concordo com todas as passagens da Humanae vitae. Você não encontrará ninguém mais obstinado e tenazmente em defesa da vida humana do que eu. Acho que essa Encíclica deve ser lida em sua atualidade, que diz respeito à generatividade das relações humanas. Estamos diante de desafios de época: nos anos 60, a “pílula” parecia o mal absoluto. Hoje temos desafios ainda maiores: a vida de toda a humanidade está em risco se não pararmos a espiral de conflitos, de armas, se não desarmarmos a destruição do meio ambiente. Eu gostaria que houvesse uma leitura que integrasse a Humanae vitae com as encíclicas do Papa Francisco (e de João Paulo II) e com a Amoris laetitia, para abrir uma nova era de humanismo integral. Integral, abandonando as leituras parciais. Por sua vez, o cardeal Zuppi, em sua mensagem para a conferência, escreve que é “muito importante que evitemos proceder por círculos estreitos e homogêneos, que no final teriam a intenção de reiterar as posições dos participantes, sem ativar um diálogo sincero e autêntico”. Isso é verdade, porque – repito – hoje o desafio da continuação, da proteção, do desenvolvimento, da vida humana, deve ser colocado em todos os níveis, como nos ensinam a Laudato si’ e a Fratelli tutti.

É possível vincular, e em caso afirmativo como, a Encíclica Humane vitae com a Exortação Apostólica Amoris laetitia?

O elo é a família. Posicionando-se como o paradigma gerador de relações antropológicas fundamentais, a família acaba sendo o “motor da história”, uma autêntica escola de vida, aberta à sociedade e ao mundo, um “laboratório” de relações humanas e de responsabilidade civil. Assim, de geração em geração, a família se abre ao mundo e transmite um modo de habitá-lo, marcado não pela posse e pela dominação despótica, mas pelo dom e pela responsabilidade, segundo o estilo daquela ecologia integral que o Papa Francisco delineou na Encíclica Laudato si’. Dentro desse horizonte, podemos também compreender bem o profundo vínculo entre família e Igreja. O Papa Francisco já enuncia isso no terceiro capítulo da Amoris laetitia, quando afirma que “a Igreja é uma família de famílias” (AL 87) e acrescenta: “a Igreja é um bem para a família, a família é um bem para a Igreja” (87).

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