Há poucos dias o Papa Francisco trouxe uma passagem do Livro do Eclesiástico, capítulo 28, também conhecido como Livro de Sirac (nome reconhecido como quem compôs o livro bíblico), realçando a grande atualidade dessa mensagem. Reconhece o Pontífice as grandes feridas do mundo atual em que o ódio tem levado tantas pessoas à morte. Porém, não está falando apenas das mortes nas guerras entre nações, mas também das mortes nas relações humanas.
O primeiro versículo desse capítulo inicia-se de maneira muito clara: “Quem se vinga sofrerá a vingança do Senhor, que severamente lhe pedirá contas de seus pecados”. E alerta sobre a importância do perdão; quem guarda rancor, como pretende ser curado por Deus?! Sem usar de misericórdia com o outro, como espera ser perdoado dos próprios pecados?
O texto bíblico ainda recomenda que cada pessoa fique longe das discussões, pois ali é a ocasião para o pecado. Nas discussões os homens ficam raivosos com muitos atiçando as brigas. Quem vive da bondade irá semear bondade, mas quem é pecador irá provocar discórdias entre amigos e desavença entre os que vivem em paz. Pois, “quanto mais lenha, tanto mais arde o fogo”, assinala o versículo 10 do mesmo texto bíblico.
O furor de um homem depende sempre de sua força, e se estiver armado, atingirá a briga violenta derramando sangue. O risco de se liberar armas em meio do povo está exatamente nessas circunstâncias. A cólera e a raiva sempre serão proporcionais a sua força e estando armado o homem se sente um super herói, imbatível. O argumento da legítima defesa para justificar o uso de armas é falacioso e sem base técnica que o justifique. Quanto mais armas em meio ao povo, mais violência e mais mortes, e grande parte delas cairá nas mãos de quem não poderia ter armas, os próprios criminosos.
As recomendações de Sirac não param por aí. Aquele que difama o outro, o que é falso e mentiroso, todos devem ser amaldiçoados, porque eles arruínam o ambiente de quem vive em paz. A língua intrometida esvazia uma comunidade, uma nação, destrói cidades inteiras devastando tudo.
Entre nós, com o crescimento das fake News, podemos comprovar como esse ensinamento é tão verdadeiro nos dias atuais. A mentira é o grande pecado dos homens de hoje. E quem der atenção a essa onda de mentiras jamais encontrará descanso ou tranquilidade em sua própria casa. Também ali será vítima da língua intrometida.
As vítimas das línguas maldosas são em maior número. Feliz quem se protege da língua mentirosa e intrometida e não se expõe a seu furor. A morte que ela provoca é medonha, terrível. Quebra os ossos. Somente os homens fiéis vencerão e não serão queimados por sua chama. Mas os homens que abandonam o Senhor cairão nas armadilhas violentas da mentira, da língua intrometida. Então serão destruídos pela própria mentira, pela própria língua, pela própria fake News. Então, “pese na balança as palavras que cada um diz e feche a boca com porta de ferrolho”. Enfim, cuidado para não tropeçar na própria língua, é maior do que se imagina, para não cair diante de quem está a sua espreita, aguardando o seu menor descuido para lhe moer os ossos violentamente.
A reflexão do Papa Francisco segue esse mesmo caminho descrito no texto sagrado dizendo que cada um de nós estará em um caixão um dia. Iremos levar o ódio para a sepultura? Então, “pare de odiar”, pois o ressentimento não levará a lugar nenhum. Apenas nos destruirá em nossa convivência; destruirá nossa paz. Em um mundo tão marcado por guerras e conflitos, a multiplicação das palavras de ódio aumenta ainda mais nossa infelicidade, os perigos se tornam ainda maiores para todos. Em qualquer esquina podemos encontrar alguém que nos espreita para a vingança, tirando nossa vida.
Em nosso país vimos como tem crescido as palavras de ódio, as mentiras, as calúnias, tendo sido criado inclusive um espaço de governo para destilar o ódio como ferramenta de poder político. Essas práticas foram semeadas pelas estradas do dia a dia, contaminando grupos de amigos, ambientes de trabalhos, e até mesmo as comunidades eclesiais. O Papa nos alerta dizendo que a humanidade corre ainda mais riscos quando as palavras de ódio forem proferidas pelos poderosos, pelos que governam. E governantes poderosos poderão apertar os botões errados se estiverem repletos daquela raiva que é alimentada por palavras inflamatórias e difamatórias.
Não podemos achar normal uma prática política que alimenta o fogo do ódio, da desavença, da mentira. A semeadura do ódio precisa ser estancada, barrada, secada, para que o mundo alcance paz; para que os grupos e as famílias tenham paz. O ódio está destruindo lares, destruindo salas de aula, comunidades eclesiais. As redes sociais tornaram-se uma grande fogueira. O que deveria contribuir para o congraçamento entre as pessoas, a convivência mais rápida, tornou-se espaço que dilacera vidas, destrói reputações, divide grupos. O ódio destilado nas redes não é coisa de Deus. As redes deveriam servir para conectar os homens e não para destruir ou matar as pessoas.
De nada adiante aquela oração toda majestosa feita nos templos mostrando contrição e devoção pedindo ao Senhor que perdoe nossas ofensas como nós perdoamos a quem nos ofendeu. Nossa prostração diante do altar é pura hipocrisia se destilamos ódio permanente nas redes sociais, nas conversas em grupos, nas comunidades. Se os cristãos brasileiros nesse ano continuarem semeando ódio e violência, destruindo as pessoas com mentiras e fake News nas redes, de nada valerá pedir ao Senhor que nos perdoe. “Pare de odiar e difamar!”
Edebrande Cavalieri