Edebrande Cavalieri
Doutor em Ciências da Religião
De repente, nossas vidas tiveram que mudar radicalmente. As cidades pareciam testemunhar um toque de recolher. Ruas desertas. Comércio fechado. Igrejas! Nossa, até as Igrejas foram fechadas e as celebrações foram planejadas para serem feitas e participadas de maneira virtual. Cenário de guerra com as pessoas em casa. Mas onde estava o inimigo?
Logo foi identificado: Corona vírus ou simplesmente Covid-19. Mas não é visível. Só se sabe que é fatal para muita gente. Devastador. Os cemitérios foram ampliados e os enterros foram feitos sem velório e sem acompanhamento de pessoas, exceto uns poucos parentes. A dor da perda era sufocada entre quatro paredes da própria casa. A despedida através das lágrimas tinha que ser à distância.
Desde 26 de fevereiro esse cenário foi crescente e ameaçador. A pandemia chegou antes de tantas coisas na área da saúde. A Covid-19 chegou antes da políticas públicas nas favelas e periferias, atingindo pobres e negros. Logo se percebeu que não temos tantos leitos de UTIs à disposição da população. O protocolo sanitário recomendava lavar as mãos com sabão, usar máscaras e utilizar álcool gel 70º. Mas não era possível encontrar nada no comércio. As máscaras acabaram na primeira semana; o mesmo aconteceu com álcool 70º. Somente sabão e água. Menos mal. Mas…O que fazer?
Acompanhando o desenvolvimento da pandemia até esse momento, quando já ultrapassamos a casa das 140.000 mortes podemos identificar algumas lições muito importantes. Esse número por si só nos mostra a força devastadora desse pequeno ente chamado vírus. Não é algum animalzinho de estimação! Com ele não se brinca! É traiçoeiro.
Logo descobrimos que um gesto individual conduz ao bem estar coletivo: lavar as mãos, que é um gesto dos mais simples, tem um impacto tão grande para impedir o alastramento da infecção. Essa atitude de higiene deveria ser a primeira lição, pois tantas outras doenças seriam evitadas com a higiene das mãos. Nossas mãos salvam vidas. É para isso que devemos usá-las. Nesse mesmo caminho deve ser colocado o uso das máscaras. Doravante qualquer pessoa que estiver com algum sintoma de tosse ou febre deveria usar máscara para impedir que seja causa da infecção de uma pessoa que esteja ao seu redor. É preciso cuidar de si sem descuidar do outro.
E outro aliado na higiene vem da própria natureza: o álcool. E vemos como não é caro evitar que a pandemia se alastra. Difícil é garantir leitos e hospitais. Até hospitais de campanha para tempos de guerra tivemos que construir. Mas o caminho da saúde se inicia com outras práticas. Descobrimos que uma boa política de saúde não é tão cara. Só que não garante votos nas eleições. Hospitais e ambulâncias são grandes cabos eleitorais.
Nessa guerra ressurgiu fortemente a experiência de solidariedade como arma contra a pandemia. Costureiras passaram a empregar seu tempo na confecção de máscaras que desapareceram do mercado. Grupos se organizaram para a distribuição de cestas básicas e kits de higiene pessoal. A onda solidária não precisa ser um tsunami, mas um pequeno gesto como fazer compras para vizinhos idosos. A solidariedade salva. Como dizia o Arcebispo de Vitória, Dom João Batista da Mota e Albuquerque, “só o povo salva o povo”.
Nossa solidariedade se amplifica num meio ambiente saudável. Aprendemos que cuidar de nós mesmos implica automaticamente no cuidado do planeta. A ONU tem demonstrado que cerca de 70% das doenças tiveram origem animal inclusive o coronavírus. Aqui fica uma das lições mais difíceis de serem aprendidas. Essas doenças estão diretamente relacionadas com a degradação do meio ambiente como a derrubada das matas, as queimadas e a morte de nossos rios com a exploração de garimpos e tragédias como a de Mariana. Mas não é apenas isso. Deve-se incluir o uso cada vez maior de agrotóxicos e a destruição de animais silvestres. A saúde humana está diretamente vinculada à saúde animal e ambiental. Essa é nossa casa comum, que deve ser cuidada.
Outra lição se refere à linha de frente no combate ao coronavírus. Quem eram as pessoas que cuidavam dos doentes nos leitos de UTIs? Nossos maiores guerreiros na verdade são guerreiras, pois 85% desses trabalhadores eram mulheres e tantas morreram em combate. Tanto nos hospitais como no comércio em geral atuando nos caixas foram as mulheres que mais se expuseram ao risco da infecção por estarem na linha de frente.
A grande lição que brota do magistério do Papa Francisco é a concretização do princípio de que a fé cristã é essencialmente comunitária. Na arquidiocese de Vitória, como em toda a Igreja Católica, a ausência da vida em comunidade foi dura. Como se sentiu tanto a falta de vida da comunidade. Não era apenas saudade dos outros irmãos. Sentia-se sua ausência corporal. A fé cristã não se completa sem a dimensão concreta da pessoa. As Igrejas fechadas era algo concreto. Mas a ausência das pessoas da comunidade era sentida como dor. Dor da ausência sensível do outro para o abraço, para o olhar, para a comunhão.
A celebração que não expressar a comunhão de maneira concreta verá o enfraquecimento da fé. O dízimo caiu 40% em termos de arrecadação para a sustentação. Mas a Igreja não sente essa contabilidade como uma empresa, mas como expressão sensível da solidariedade. Também com a ausência de celebrações presenciais se perdeu a oportunidade das ofertas que representam quase 30%. Ofertas e dizimo são expressões da solidariedade e não de um tipo de imposto eclesial. Apesar disso, em nenhum momento houve desânimo de padres e leigos, que logo trataram de criar formas de serviços em tempos de pandemia, garantindo conforto espiritual e momentos de oração através das redes sociais, da TV e da Rádio. Esse movimento de solidariedade culmina com a campanha de ação solidária denominada CONDIVIDIR que distribuiu mais de um milhão de cestas básicas.
E como última lição, meu ODE À PRIMAVERA que acaba de se iniciar. Não sou poeta, mas o espírito também pode contemplar o belo das flores e das cores, símbolos da esperança!
Ela acaba de chegar! Também por aqui é muito esperada!
O frio da situação de pandemia foi duro e difícil.
Para muita gente, insuportável.
Mas para outros era puro exagero,
uma gripezinha que os fortes nem sentem os sintomas.
Mas o frio da morte chegou em tantos lares.
Principalmente em lares negros e pobres.
Então! E então?
Comemoremos a esperança!
Comemoremos as flores!
Comemoremos a beleza de cores!
Comemoremos os frutos que virão!
A primavera chegou.
Uma nova primavera.
Com seu mais saboroso fruto: a solidariedade!
Outra primavera.
Que seja diferente!
Que seja revestida de prudência e cuidado.
Mas que venha com alegria.
Precisamos sim de nova festa!
Não repetição e muito menos ações compensatórias
de tirar o tempo perdido.
De ir às foras!
Pois não há “tempo perdido”.
Há tempo vivido.
Há tempo interrompido.
Foi interrompido para mais de 140.000 pessoas.
Que a PRIMAVERA seja o novo tempo vivido com beleza e esperança.
Vestida de prudência e cuidado.
Apenas isso.
Que seja mais uma lição nesses tempos de pandemia
e possamos atravessar em definitivo esse túnel!
Que Deus nos abençoe!