No Pão ofertado e partilhado, Deus é louvado

25 julho, 2021

Gabriel Viçose I “Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam” (Jo 6, 11).

O Evangelho deste 17º Domingo do Tempo Comum nos apresenta um grande sinal realizado por Jesus (Jo 6,1-15). Narrada pelos quatro evangelistas, a multiplicação dos pães demonstra a preocupação de Deus em saciar a fome de seus filhos.

Através do popular canto “Oração pela família” (Pe. Zezinho, scj), muitos de nós já rezamos ao Senhor pedindo a graça de que nossas crianças aprendam no colo o sentido da vida e de que a família celebre a partilha do abraço e do pão.

Ocorre que, conforme os dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (05/04/2021), da Rede PENSSAN, cerca de 19 milhões de pessoas passaram fome nos últimos três meses de 2020. Ademais, no mesmo período, aproximadamente 117 milhões de brasileiros sofreram com a insegurança alimentar. Por consequência disso, o país voltou ao Mapa da Fome e, atualmente, o cenário piora com os sucessivos cortes no auxílio emergencial.

O Papa Francisco nos exorta que a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha. Em grande medida, é provocada por uma distribuição desigual dos frutos da terra, à qual se acrescentam a falta de investimentos no setor agrícola, as consequências das mudanças climáticas e o aumento dos conflitos em várias regiões do planeta. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Diante dessa realidade, não podemos permanecer insensíveis ou paralisados; somos todos responsáveis [1]. Logo, não é a escassez de alimentos a causadora da criminosa fome no mundo, mas a má distribuição.

Nesse sentido, mais uma vez a Palavra de Deus nos incomoda ao questionar a nossa abertura ao Reino inaugurado por Jesus de Nazaré. Essa Liturgia, inclusive, ilumina a supramencionada realidade da fome a qual continua roubando a dignidade dos filhos e filhas de Deus.

O ambiente da passagem evangélica se dá nos montes presentes na outra margem do lago de Tiberíades. A travessia para a outra margem e a época em que o evangelista situa o episódio –próximo à páscoa judaica – confirma a ação libertadora de Jesus que, tal como outrora fizera Moisés, guiará o seu povo.

A multidão tem fome e não possui o que comer. Para solucionar a questão, Jesus envolve os discípulos, indagando onde comprariam o pão necessário para alimentar a todos. Assim sendo, a comunidade formada por Cristo deve se sentir responsável na realização da missão por ele iniciada. Do mesmo modo como Cristo se revela alimento que mata a fome de vida da humanidade, igualmente sua Igreja o deve ser.

Em busca da solução para saciar a fome do povo, em resposta à pergunta do Mestre, Filipe afirma não ser possível encontrá-la dentro do sistema econômico vigente: “Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um” (Jo, 6,7). De fato, as respostas para as reais necessidades do ser humano não podem ser dadas pela funesta lógica mundana, a qual sacrifica vidas em favor do lucro.

É por intermédio da solidariedade de um menino, figura de uma criança a qual representa a esperança do novo, que Nosso Senhor realiza o milagre na vida da multidão faminta. Eram apenas cinco pães e dois peixes que, após a ação de graças (eucharistia), foram capazes de sustentar mais de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. O pouco quando oferecido e partilhado se torna muito, a ponto de serem necessários doze cestos – número que simboliza as tribos do antigo Israel, bem como os apóstolos e o novo povo de Deus – para o armazenamento das sobras.

Convém elencar que a ação de graças é atitude que implica o reconhecimento de que os dons são dados por Deus. Não pertencem ao homem, devendo este ser zeloso administrador, mas a Deus o qual é Pai de todos. E se nós nos referimos a Ele como o Pai Nosso, devemos nos convencer de que também o pão deve ser nosso. Nesse sentido, assevera o Santo Padre: “Se esta afirmação – como seres humanos, somos irmãos e irmãs – não ficar pela abstração mas se tornar verdade encarnada e concreta, coloca-nos uma série de desafios que nos fazem mover, obrigam a assumir novas perspectivas e produzir novas reações”[2].

Por conseguinte, a Boa-Nova de Cristo nos convida à partilha. É servindo-se dos homens e das mulheres que Deus atua na história e, dessa maneira, acontece o milagre a partir da generosidade e da solidariedade humana. O Senhor sacia seus filhos (Cf. Sl 144) por intermédio daqueles que, saindo de seu egoísmo, abrem-se à dinâmica do Reino de Deus. A lógica da partilha, corporificada no serviço simples e humilde, fornece-nos o caminho para a superação das escravidões e das opressões trazidas pelo pecado. Nela reside a liberdade e a esperança de um mundo novo.

À vista disso, o discípulo-missionário possui por vocação levar todos os seres humanos a se sentarem para a refeição, como retrata a passagem (Jo 6,20). Fascinantemente, esse gesto de Jesus acarretava o reconhecimento da dignidade daquele pobre povo, dado que só se sentavam os considerados bons e justos.

Não podemos nos olvidar que a prática da humildade, da mansidão, da paciência e do amor consiste em exigência para uma vida verdadeiramente pautada nos valores de Cristo e de seu Evangelho (Cf. Ef 4,1-6). Os valores do Reino são diametralmente opostos aos do mundo. Os esquemas de morte e de cobiça, os quais fundamentam as relações no atual sistema, impedem que a vida dos descartados prevaleça sobre a idolatria do mercado.

A Igreja é vocacionada a ser o ponto de união entre todos os homens e mulheres. Deve ser o lugar da unidade na caridade do pão partilhado, isto é, o corpo místico de Cristo que reúne a humanidade redimida pelo amor-doação do próprio Deus. Isto posto, podemos também observar, no episódio da multiplicação dos pães, o grande mistério do Senhor que se faz pão, doa-se pela reconciliação da humanidade com Deus e cumpre sua promessa de permanecer conosco todos os dias até o fim dos tempos mediante o sublime sacramento. As sobras guardadas indicam a importância de se zelar por aquilo que testemunha o milagre pelo Senhor realizado, além de apontar para a necessidade de sempre se gerar mais abundância. Portanto, também nós cristãos devemos doar a nossa vida em favor do Deus que sofre junto aos últimos e aos crucificados de ontem e de hoje.

Semelhantemente a Eliseu que não reteve os dons recebidos para si e, sucedendo ao generoso gesto do homem o qual a ele ofertou os vinte pães de cevada e trigo novo, ordenou reparti-los com as pessoas as quais o circundava (Cf. 2 Rs 4,42-44), nós devemos, em atitude profética, oferecer aquilo que temos e somos em favor dos necessitados.

Nossa Igreja particular de Vitória, por intermédio do Vicariato da Ação Social, Política e Ecumênica, organizou a Campanha Permanente contra a Fome e pela Inclusão Social (Campanha Paz e Pão) a fim de dar uma resposta solidária a essa situação. Sejamos animadores e participantes das ações de enfrentamento à fome, fiéis discípulos-missionários do Mestre o qual veio trazer vida plena para todos.

Sabemos que não é apenas de alimento que os homens estão famintos. A humanidade possui fome de vida abundante e verdadeira. Neste dia em que Cristo se revela a nós como o Pão da Vida, torna-se triste percebermos quão atrasados nos encontramos na adesão ao projeto de Jesus. Mesmo com todo o progresso tecnológico e científico, a humanidade ainda não solucionou um problema tão básico como o direito de todos terem algo para comer. Destarte, os discípulos de Jesus são chamados à promoção da vida, devendo assim como o Mestre, preocuparem-se e agirem em favor dos condenados da Terra.

Dado que Cristo veio oferecer vida em abundância, somos convidados a levar o pão do trabalho, da moradia, da saúde, da educação, da segurança, do sentido à existência, do amor, da ternura, da liberdade, da justiça, da paz e da esperança a todos os homens e mulheres. Nossa preocupação deve ser como a de Deus. Ele quis resgatar o homem todo. É a integralidade do ser humano que o Senhor vem libertar e salvar.

O Papa Bento XVI, em Angelus proferido no dia 29 de julho de 2012, em Castel Gandolfo, mencionando a Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, afirmou que não é o Alimento Eucarístico que se transforma em nós, mas nós que acabamos misteriosamente mudados por ele: “Cristo alimenta-nos, unindo-nos a Si”[3]. E concluiu rogando que jamais falte a ninguém o pão necessário para uma vida digna, e sejam abatidas as desigualdades não com as armas da violência, mas com a partilha e o amor.

Em derradeiro, diante dos ensinamentos dessa sagrada liturgia, dirijamo-nos, cheios de fé e de confiança, à Mãe de Deus e nossa, pedindo que a patrona dos povos sofridos da América Latina ensine a quem tem tudo a partilhar, aos que tem pouco a não cansar e, por sua poderosa intercessão, faça o nosso povo caminhar em paz.

Gabriel Viçose

Seminarista do 1º ano de Filosofia.

Paróquia de Origem: Ressurreição – Goiabeiras – Vitória.

Paróquia de Estágio Pastoral: Santíssima Trindade – Aribiri – Vila Velha.

[1] FRACCALVIERI, Bianca. Francisco: a fome não é só uma tragédia, mas uma vergonha para a humanidade. Vatican News, 2020. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-10/papa-francisco-fao-fome-vergonha-para-humanidade.html>. Acesso em 19 jul. 2021.

[2] FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti: Carta Encíclica sobre a fraternidade e a amizade social. Brasília: CNBB, 2020, §128.

[3] BENTO XVI. Homiliário: Um caminho de fé antigo e sempre novo. São Paulo: Molokai, 1ª ed., 2017, p. 680.

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