NOSSA SENHORA APARECIDA: HISTÓRIA, DEVOÇÃO E FÉ

12 outubro, 2023

Escrevendo esse artigo tendo como cenário uma notícia de intolerância religiosa ocorrida na cidade de Sete Barras, interior de São Paulo, dia 05 de outubro, quando um grupo de criminosos invadiu a Igreja Matriz deixando um rastro de destruição. Usando de picareta, os criminosos cravaram a violência numa estátua de Nossa Senhora do Carmo e em outra de São João Batista, além de espalharem hóstias e roupas litúrgicas pelo chão, pisoteadas. Tudo isso numa cidadezinha pacata, desconhecida. Volta e meia essas cenas acontecem também em lugares pertencentes às religiões afro-brasileiras e indígenas. O nome disso é intolerância religiosa.

Ao mesmo tempo, em Belém naquele final de semana, a maior festa mariana em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, com milhares de pessoas expressando, das mais diversas formas, sua devoção e sua fé. Na semana seguinte, outra grande festa mariana, Nossa Senhora Aparecida.

Então, diante da festa de Nossa Senhora Aparecida, celebrada no dia 12 de outubro, bem próxima da festa do Círio de Nazaré, meu olhar de homem de fé e de ciência, me impulsiona na direção de luta contra essas atitudes.

Duas grandes festas Marianas, próximas nas datas e unidas na expressão popular da fé.  O espírito de mãe que acolhe a todos sofre quando seus filhos brigam entre si. Em tempos de tantas intolerâncias religiosas e ideológicas, o coração de mãe não comporta tantas divisões.

As devoções populares precisam ser olhadas a partir da situação em que o povo vive e está. Tantas vezes não tem mais em quem recorrer, a não ser na transcendência, na fé – último recurso de tantos pobres. Deixem o povo rezar, deixem o povo carregar suas imagens, deixem o povo fazer promessa. Deixem o povo celebrar seus orixás nos terreiros. A falta de fé não justifica tanta violência com destruição de imagens e espaços religiosos.

Registros históricos nos mostram que quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil trouxe consigo a imagem de Nossa Senhora da Esperança. E pouco tempo depois, em Porto Seguro, foi construído o santuário de Nossa Senhora da Ajuda. E também a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos.  Essa divisão da época colonizadora é contrária ao sentimento da Mãe de Deus. Ali nascia um ambiente de profunda intolerância e divisão.

A cultura brasileira vai sendo impregnada de devoções populares. Como esquecer dos versos escritos por Anchieta dedicados à Nossa Senhora da Conceição nas areias? Como não reconhecer a terceira festa mariana iniciada por Frei Pedro Palácios no penhasco da Penha? Enfim, nascemos como país e nação alimentados em nossa fé com muitas devoções marianas. Os títulos dados à Mãe de Deus expressam essa diversidade devocional.

Agora interessa-nos conhecer um pouco como nasceu a devoção à Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

O contexto histórico do século XVIII do vale do Paraíba do Sul onde foi encontrada a imagem de Nossa Senhora Aparecida era marcado por forte crise econômica, com a escassez da lavoura e da mineração, e declínio do comércio pois por aí passavam as tropas de comércio rumo ao porto de Paraty no Rio de Janeiro. O próprio rio Paraíba já estava assoreado e com escassos pescados. Contudo, o povo alimentava sua fé em muitas devoções cultivadas em cabanas cobertas por sapé ou aos pés dos cruzeiros no cume das montanhas.

A pobre vila de Guaratinguetá, marcada pela vida de pescadores, recebe a notícia que servirá de hospedagem para a comitiva inteira do Conde de Assumar. Imediatamente a câmara de vereadores determina a pesca de peixes para o conde e designa João Alves, Domingos Garcia e Felipe Pedroso para tal tarefa. Sem esperança de encontrar peixes naquele rio assoreado, eles cumprem a obrigação. Nada estavam encontrando. Tentaram desistir, mas foram obrigados a percorrer mais extensão do rio.

E foi nessa busca desesperançada que encontraram o corpo de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição agarrado nas redes de pesca e mais distante a cabeça. Era o mês de outubro de 1717. A data exata do encontro da imagem no rio é imprecisa e por isso a CNBB em 1953 fixou o dia 12 de outubro como o dia da festa.

A imagem enegrecida não conferia com a original de Nossa Senhora da Conceição, de pele clara, manto vermelho e azul. Estudiosos como F. Alvarez explicam que no processo de cozimento da imagem retirada do forno estava com pele acinzentada e algumas partes rosadas. Depois de esfriada, o escultor aplicou uma tinta azul-escuro sobre o manto e uma tinta avermelhada no forro do manto. Contudo, a senhora clara nasceu negra.

O povo simples, pobre e muito devoto, logo foi acreditando que Nossa Senhora quis aparecer negra, pois era o período da escravidão. Era a mensagem de libertação dos escravos impressa na cor negra da imagem. E logo foi construída uma capelinha para ser venerada por seus filhos, pobres e negros. O povo passou a chamar de Nossa Senhora Aparecida. O lugar passou a ser ponto de encontro do povo da vila e dos viajantes que passavam por aquela estrada. Rapidamente, com as notícias de milagres, o lugar passa a ser centro de romarias.

A devoção se espalha rapidamente, pois ali era estrada de passagem de muita gente, migrantes, viajantes, tropeiros e comerciantes. Logo foi feito um santinho e distribuído para quem parasse na capelinha para rezar. A devoção popular cresce sem previsibilidade e muitas vezes sem razões plausíveis. Não vamos tratar da questão dos milagres, pois é outro capítulo muito importante que alimenta e fortalece a fé.

Um fato que merece ser refletido ocorreu em 16 de maio de 1978 e se relaciona com a cena descrita no início. Numa noite, após a celebração da missa a energia elétrica acabou. Todas as luzes se apagaram e um jovem reconhecido como evangélico pela própria comunidade jogou-se sobre o altar onde estava a imagem. Ao ser visto pela guarda da basílica ele deixou cair no chão a imagem que ficou toda quebrada em pedaços bem pequenos.

O povo devoto sente como se tivesse partido o próprio corpo. Ao contrário do que se espera, a devoção aumenta ainda mais. A destruição de imagens nunca significará a destruição de uma devoção. Os padres redentoristas que cuidavam da basílica encaminharam aquele saco de pedaços de imagem para o Museu de Arte de São Paulo para que fosse restaurada na forma como hoje se encontra.

Romarias aumentam a cada ano vindo de tantos lugares distantes. Fé e devoção no contexto atual deveriam expressar uma grande mensagem: independente da crença religiosa de cada um ou de não crença, o espírito materno que alimenta as devoções populares especialmente a Nossa Senhora deveria servir para que entre cada grupo haja mais respeito, diálogo, acolhimento e paz. Que a Nossa Senhora Aparecida seja a nossa Rainha da Paz. De verdade!

Edebrande Cavalieri

Compartilhe:

VÍDEOS

quinta-feira 30 novembro
Nenhum evento encontrado!

Facebook