Entre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém que celebramos no domingo de Ramos até o Calvário há um longo caminho de profundas contradições. Em primeiro lugar, o mesmo povo que o carrega nos braços é também o que foi seduzido pelas autoridades políticas para que escolhessem Barrabás livre da condenação.
Jesus é condenado num processo originário da sedução das massas, da omissão de Pilatos, da falta de coragem daqueles que tanto o ouviram e tanto receberam dele. Jesus não foi crucificado pelo poder romano, mas pelo próprio povo que o acompanhava. A traição não pode ser atribuída exclusivamente a uma pessoa, no caso Judas Iscariotes. Na traição de Jesus todos nós nos encontramos.
O segundo aspecto central desse caminho está na imagem real de o condenado ser obrigado a carregar esse instrumento de suplício, expressão maior da humilhação e vergonha, até o Calvário onde será crucificado diante do povo. O mesmo povo vai nesse caminho, alguns debochando e outros ajudando em seu silêncio e ajuda. Provavelmente, a maioria estava aí como se estivesse numa diversão. Muitas vezes, nosso sofrimento é motivo de festa por tantas outras pessoas. Até nos divertimos com milhares de mortes durante a pandemia e induzimos o povo a escolher remédios ineficazes! Esquecemos? Não devíamos.
O caminho da cruz descrito pelos evangelistas não serve para fazer carreira, nem para enriquecer instituições. Quem busca Jesus na Igreja não pode servir-se desse caminho para fazer carreira, para angariar honrarias, para ficar rico. Ao aceitar percorrer o caminho de Jesus até a cruz torna-se essencial vestir-se com as roupas da humildade, com as sandálias de pescador, disposto a sofrer humilhação a qualquer momento. A busca por prestígio e honrarias não é caminho cristão, mas mundano. O caminho do mundo se opõe ao caminho da cruz.
Quem quiser ver Jesus precisa defrontar-se com a cruz, olhar para a cruz. Ela é expressão da morte. Não de qualquer morte, mas da morte que se torna semente fincada no chão. Qualquer sofrimento, provação ou extrema solidão, na perspectiva cristã será semente que faz germinar a vida. A cruz não é o aniquilamento de tudo e assim a morte de Jesus mostra-se completamente diferente da morte de qualquer outro líder ou pessoa. Permanecer na cruz é acabar com o cristianismo. Ela deve sempre sinalizar para frente, para a luz, para o clarão da madrugada fria, para a esperança.
O sofrimento em si e para si não serve para muita coisa. Entregar-se à autoflagelação como se fosse o caminho da perfeição cristã é um grande equívoco. A semente de trigo ficada no chão deve morrer para poder renascer, brotar e gerar muitos frutos. A morte na cruz na perspectiva cristã não pode deixar de expressar o amor, o serviço, o dom de si sem reservas. A cruz na perspectiva cristã irá sempre apontar para o grande clarão da ressurreição.
Dois grandes desafios se colocam para os cristãos nos dias de hoje: permanecer com um cristianismo sacrificialista que não supera a cruz ou fugir rapidamente para o clarão da ressurreição, escapando do sofrimento, da humilhação. Há um mesmo Cristo que morre na cruz e que ressuscita. A paixão, a morte e a ressurreição estão intrinsecamente interligadas, formando uma totalidade redentora.
Por fim, esse caminho percorrido não é percurso solitário. Trata-se de um processo sinodal como nos ensina o Papa Francisco na mensagem para a Quaresma desse ano. O caminho da cruz é feito junto de cada pessoa, com os algozes também. Eles estavam ao lado de Jesus, chicoteando o tempo todo, debochando. O caminho reservado a poucos escolhidos não é caminho cristão. A transfiguração nos é apontada, mas necessitamos descer o morro, para caminhar junto do povo. A ressurreição acontece na história do próprio povo e não fora dele. Portanto, fugir do mundo não é o caminho apontado pela cruz do Ressuscitado.
A Páscoa não é uma simples passagem de Cristo entre nós. É a sua permanência. É nosso compromisso transformando o caminho da cruz em semente de nova vida. O caminho glorioso da ressurreição deve estar disponível a todas as pessoas, especialmente aquelas que mais sofrem todo tipo de humilhação. Entre todas as humilhações hoje no Brasil são destaques a vergonha da fome e da violência desmedida. Nesse espírito, queremos desejar o que há de melhor na vida cristã para todos. É preciso fincar a semente da Páscoa nas escolas onde professores e alunos sofrem humilhações e entregam a própria vida.
Boa Páscoa!
Edebrande Cavalieri