A Campanha da Fraternidade 2022 que aborda esse ano a Educação tem um lema bastante profundo e muitíssimo atual e oportuno que precisa ser entendido com sabedoria para não cair justamente no que quer combater.
Logo de início a Campanha da Fraternidade nos apresenta os grandes desafios dos tempos atuais que a campanha busca ações para transformar:
- A “ruptura da solidariedade” entre gerações acontece pela despreocupação com as gerações por vir, pela falta de cuidado com a “Casa Comum” e, ao mesmo tempo, com a idolatria do “EU” (a egolatria), uma autorreferência individualista que tem levado as pessoas a um isolamento pessoal e a um fechamento em relação ao outro.
- Os “tempos tecnológicos” que trazem ao mundo o acesso às informações mediadas pela tecnologia e o faz de forma a levar a um descompasso pelo tempo natural de assimilação destas informações no plano psicológico. Crianças e jovens sendo constantemente atraídos por estímulos digitais rápidos e múltiplos, têm tido muita dificuldade em aprender a “habitar o silêncio”, como fala o Papa Francisco. O silêncio ao qual ele se refere aqui significa uma escuta vigilante e flexível. É um parar para escutar; é um esvaziar a mente de seus conceitos e ouvir verdadeiramente ao outro, ou até a si mesmo. O tempo e o espaço necessários para o jovem se dar conta dos seus próprios desejos e medos, são cada vez mais preenchidos por interações contínuas e atraentes, que seduzem e tendem a preencher cada momento do dia. Assim acontecendo, na grande riqueza de estímulos recebidos, experimenta-se uma profunda pobreza de interioridade, uma crescente dificuldade em parar, em refletir, em escutar a si e ao outro. (Laudato si’, 110). A fratura e a desintegração psicológica são consequências deste aceleramento e desta pobreza em olhar para si mesmos, o que traz desencontros e superficialidade nas relações pessoais destes jovens, levando a uma imaturidade afetiva e existencial e, a um já reconhecido, crescente sofrimento emocional.
- A cultura do descartável e a lógica do consumo são as outras características dos tempos atuais cuja mudança é igualmente fundamental para a Campanha da Fraternidade. Precisamos ampliar nossa consciência em relação ao mundo que queremos ter e ao mundo que queremos deixar para as próximas gerações. Papa Francisco na encíclica “Laudato si” reflete profundamente a questão da “cultura do descartável”, e mostra que “essa cultura atinge tanto os seres humanos excluídos como as coisas”. Entre as pessoas mais atingidas pela cultura do descartável estão os idosos e as crianças: na lógica do consumo, os primeiros são descartados porque não são mais produtivos; os segundos porque ainda não são produtivos. Uma sociedade que assim age com seus idosos é uma sociedade que recusa confrontar-se com o próprio passado, com a própria memória e com as próprias raízes. A cultura do descartável também pode incluir na cultura do cancelamento que tem acontecido nas fluídas relações interpessoais entre os mais jovens. A falta de cuidado com a nossa “Casa Comum” nosso ambiente, nosso mundo e com os nossos irmãos é igualmente negligenciado nesta lógica cuja mudança é imprescindível.
Não há dúvidas que se faz necessário transformar esse cenário! Disso poucos discordam. Inspirado pelo provérbio africano o Papa nos coloca no caminho: “para educar uma criança, é necessária uma aldeia”. Assim todos somos convocados para a transformação da nossa sociedade. Precisamos ser “uma aldeia educativa”. Todos precisamos abraçar o compromisso com a educação das gerações futuras e, também a reeducação da atual geração, visando a reconexão com a sacralidade da vida e a superação do atual ponto de vista niilista que considera as crenças e os valores tradicionais como sem qualquer sentido. Superar essa visão do mundo que banaliza a vida e desvaloriza a dignidade humana é extremamente necessária, e muito difícil. Nesta “aldeia educativa” se viveria um compromisso pessoal e comunitário, garantido pelo respeito à participação da família, das Igrejas, da sociedade em geral e assim seríamos atuantes no processo educativo / re-educativo de todos nós. Essa seria uma “aliança educativa”, um pacto, e teria como centro o desenvolvimento integral da pessoa, além do cuidado com a Casa Comum, “visando à formação de homens e mulheres mais maduros e responsáveis, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir […] as relações para uma humanidade mais fraterna em um diálogo contínuo na busca pela paz. Assim a transformação buscada depende do envolvimento de todos, da união de todos. Somos convidados “a sermos construtores de pontes de diálogo, capazes de aproximar as diferentes realidades”.
Para viver uma verdadeira experiência de fraternidade é preciso uma atitude consciente e permanente de disposição de ouvir o outro com respeito, ética, atenção e real interesse. Uma “escuta fraterna”, uma disposição que busca compreender o outro, a partir do lugar dele, o que ele quer e deseja transmitir. Acolher o outro em sua identidade própria, possibilitando o diálogo que promove diálogos e relações saudáveis, que desconstrói conflitos e assim gera interações e mudanças sociais.
O Papa Francisco tem nos mostrado, em suas encíclicas e outras formas de comunicação, as bases para a transformação desejada, condensadas na Campanha da Fraternidade 2022 da CNBB: o amor, a coragem, a fé e a esperança. Para transformar nossa realidade precisamos aprender a discernir e, para que a pedagogia do discernimento possa acontecer, “faz-se necessário encontrar espaços, tempos, reflexões e diálogos. Mais do que ensinar a discernir é preciso fomentar constantemente por meio de vivências essa forma de se colocar diante das situações cotidianas da vida” até que essa prática se transforme em uma atitude de vida.
Existe um pacto quando reconhecemos o outro, diferente de nós, não como uma ameaça a nossa identidade, senão como um companheiro de viagem, para “descobrir nele o esplendor da imagem de Deus”. O Papa convida a buscar companheiros de viagem no caminho da Educação, para propor programas e tomar decisões em benefício de todos os seres criados: fauna, flora e humanos. O desejo de Deus é: “para que todos sejam um” (Jo 17,21-23).
Ao olhar as propostas da Campanha da Fraternidade acima, não há como não se maravilhar. Mas…elas são plausíveis? são utópicas? A resposta está no próprio Lema: FALA COM SABEDORIA e ENSINA COM AMOR. Se falar com sabedoria for entendida como uma habilidade da nossa racionalidade, eu diria que as proposições da Campanha são utópicas porque pressupõem, inclusive a abertura para a reeducação de todos nós o que incluiria os próprios autores da Campanha da Fraternidade, pois é evidente que se está falando de diálogo, de abertura e educação centrada na pessoa, “todos” podemos ampliar nossa visão e mudar. “Todos nós” não exclui ninguém. O que é muito complexo. Mas, se você compreender sabedoria (como nossos grandes teólogos e Padres da Igreja compreenderam) você subentenderia sabedoria como a racionalidade divina, ou seja do próprio Espírito Santo. Aí não há qualquer dúvida! Pois o lema de forma explícita poderia ser escrito como: FALA COM O ESPÍRITO SANTO que habita em você e falaríamos sob a unção do Espírito Santo, e ENSINA COM AMOR, ensinaríamos com o amor de Deus por Jesus – QUE É O ESPÍRITO SANTO. Ensinaremos com a Divina Trindade em nosso coração!! Aí a transformação acontecerá! Pela Graça de Deus!
Vania Reis