Estamos às vésperas da abertura da Campanha da Fraternidade de 2022 que novamente nos traz a questão da educação para reflexão e ação efetiva em nossas comunidades. Especialmente a educação escolar nos convoca para uma grande atenção diante dos novos desafios. A pandemia da Covid-19 no Brasil agravou ainda mais as desigualdades socioeconômicas entre alunos da rede pública e alunos da rede privada, geralmente em melhores condições econômicas.
Em 2018, a metodologia internacional que avalia os sistemas de ensino no mundo todo chamado de Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) apontava o Brasil como uma das cinco economias mais desiguais do mundo em relação à educação. São desigualdades sociais, econômicas, raciais e de gênero. Todas elas agem de maneira integrada e sempre que um setor for afetado, os demais também serão. Assim, uma desigualdade de cunho econômico também espelha uma desigualdade de raça e de gênero. Com a pandemia, essa situação piorou ainda mais.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do Brasil em 2019 apontava que, com base no Censo Escolar, o Brasil possuía 27% das escolas de Ensino Fundamental e Médio sem nenhum acesso à internet. A pandemia tornou ainda mais caótico esse caminho para acesso ao estudo. Chega-se assim numa constatação triste da precariedade tecnológica das escolas. Se as próprias escolas estão nessa situação, o mesmo estudo apontava que os alunos com menor acesso à internet e a dispositivos de comunicação a distância ou com menor disponibilidade para acompanhar as atividades de ensino remoto são os mais prejudicados.
O retorno às aulas nesse momento não sinaliza para a solução dessas desigualdades. Caberia perguntar como estão voltando os nossos alunos para as salas de aula? Como estão retornando ao ensino presencial os nossos professores? Houve algum planejamento integrado para esse retorno focando determinados objetivos de curto, médio e longo prazo?
Os alunos da rede pública além de terem menos aulas presenciais ou remotas, também tiveram muitas dificuldades com estrutura adequada para a aprendizagem. Geralmente sem cômodo adequado em suas casas, muitas vezes sem internet e quase sempre sem computador, tendo inclusive que dispor de um simples aparelho de celular para toda a família. Configurou-se de maneira clara como vivemos num processo de exclusão digital.
Algumas pesquisas realizadas no Brasil apontam mais de 46 milhões de brasileiros incluídos na exclusão digital. Uma em cada cinco pessoas no Brasil acessa a rede digital emprestando a conexão de um vizinho. A pesquisa que mostra o acesso à internet considera que se uma pessoa acessou a rede nos últimos três meses pelo menos uma vez ela é considerada usuária de internet.
A situação fica ainda mais agravada considerando o que publicou a UNESCO de que o Brasil foi um dos países com maior tempo de suspensão das aulas presenciais. Ao final de 2020, 90% das escolas de educação básica estavam com aulas presenciais suspensas. Calcula-se que o percentual de alunos da rede pública que não teve aulas durante a pandemia seja quatro vezes superior aos alunos da rede privada. A grande preocupação dos pesquisadores e atores que trabalham com a educação é que determinados resultados negativos podem tornar-se duradouros, caso não haja investimentos adequados para a superação das desigualdades.
Essa realidade afeta nossas crianças que começam a dirigir-se à escola. De maneira muito triste percebe-se como estão acontecendo os atrasos nos processos de alfabetização. As iniciativas conduzidas pelas instâncias administrativas em relação a não reprovação dos alunos dissimularam o real problema causado pela grande desigualdade presente nos estudantes brasileiros e agravados com a pandemia. Alguns argumentam que a não reprovação evitaria outro grande mal, a evasão escolar. Tantas vezes temos a impressão de estarmos diante de uma realidade tão complexa que apenas paliativos são tomados como medidas; são medidas para justificar a incompetência de conduzir a educação brasileira. Estamos parecendo cegos em meio a um grande tiroteio, sem saber de onde estão vindo as balas que nos matam.
O cenário não é animador. Que impactos teremos em nossos jovens estudantes em sua vida social, em sua formação profissional, em sua formação de renda, em sua vida? No momento atual do Brasil, o movimento de candidaturas para as próximas eleições parece tomar conta dos noticiários. Até quando nossos governantes e candidatos adotarão modos de fingir diante dessa realidade? A educação compõe a política pública que transcende qualquer plano de governo. Todos os governos deveriam incluir em seus projetos de conduta governamental uma educação que rompa esses estágios degradantes de desigualdade entre nós. Perguntar pelo que esperar da educação nos remete a perguntar a cada candidato o que podemos esperar dele como governador, como senador, como presidente, como deputado em relação à educação.
O tempo da quaresma deveria servir para que os católicos e cristãos apresentassem aos diversos setores governamentais propostas para a instituição de políticas públicas que ajudem os brasileiros a superarem os estágios degradantes da desigualdade social. O jejum da quaresma não está dissociado da prática da justiça, da libertação das pessoas de seus níveis de degradação educacional.
O Papa Francisco nos convoca para um Pacto Educativo Global alertando que o coronavírus acentuou a disparidade de oportunidades educacionais e tecnológicas, a ponto de constituir-se uma “catástrofe educativa”. A Campanha da Fraternidade então deve nos permitir olhar em frente com coragem e esperança, pois na educação há uma semente de esperança de paz e justiça, de beleza, de bondade. Uma esperança de harmonia social concreta decorrente da redução drástica das desigualdades educacionais.
Edebrande Cavalieri