Tem aumentado no Brasil, especialmente nos últimos quatro anos, as agressões contra padres, bispos e o Papa Francisco. No dia 12 de outubro do ano passado a cena deprimente ocorreu em plena Basílica de Nossa Senhora Aparecida quando um padre disse aos fiéis que eles estavam de parabéns por terem vindo receber as bênçãos de Nossa Senhora e não para pedir votos. E logo foi interrompido com vaias e palavras de ordem.
Nesse mesmo dia, Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, foi vaiado pelo grupo bolsonarista ao dizer que era preciso “vencer muitos dragões, de modo especial o dragão do ódio que faz tanto mal, o dragão da mentira que não é de Deus, mas do maligno, o dragão do desemprego, o dragão da fome, o dragão da incredulidade”. Nem mesmo os funcionários da TV Aparecida escaparam das agressões.
No ano passado, o Padre Zezinho que é muito conhecido no mundo católico e não católico por suas lindas canções desabafou: “Depois das ofensas de hoje contra o Papa, contra os bispos, contra mim, com calúnias e palavras de baixo calão, estou fechando esta página […] Continuam a dizer que sou mau padre, que sou comunista e que sou traidor de Cristo e da Pátria porque ensino doutrina social cristã”.
Dom Odilo Scherer, cardeal e arcebispo de São Paulo, foi chamado de “comunista” por usar roupas vermelhas, que é norma da Igreja para cardeais como ele. Assim manifesta sua preocupação: “Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora”.
Entre nós, o Padre Moacir Pinto da Diocese de São Mateus e professor de Teologia Moral no Instituto Interdiocesano do Espírito Santo foi agredido recentemente durante uma homilia em sua paróquia, seguindo a liturgia do domingo cujo texto bíblico se referia a Cristo sendo perseguido pelas autoridades “por ter abraçado os mais sofridos”. Ao aplicar na vida concreta essa Palavra de Deus o Padre Moacir disse que a Igreja se opõe à violência cometida pelos garimpeiros contra os Yanomami em Rorâima. Foi logo interrompido de modo agressivo por um homem que se diz historiador chamando o padre Moacir de “desgraçado” e dizendo que os indígenas eram “venezuelanos infiltrados”.
A Diocese de São Mateus, historicamente, tem sido uma voz profética conduzida por seus bispos e seguida por seus ministros ordenados. Logo depois do ocorrido, em nota, o Bispo Dom Paulo Bosi Dal’bó repudiou “as declarações de ofensas e de humilhação pública sofridas pelo Padre Moacir Pinto […] ressaltando que toda a ação profética da Igreja em defesa da Vida é fundamentada nas Sagradas Escrituras, na Doutrina Social da Igreja e no testemunho de tantos homens e mulheres de fé que doaram seu sangue para defender outras vidas”. E onde a vida estiver sendo ameaçada, todo cristão tem o dever de defendê-la como compromisso de sua fé.
A relação de ofensas sofridas por ministros ordenados é cada dia maior e isso é preocupante e muito perigoso. O risco de nos dividirmos enquanto Igreja é enorme e em tempos de redes sociais e fake News esse risco aumenta enormemente. Estamos presenciando aumentar o número de padres que celebram com medo, estão adoecendo em seu ministério. Trata-se de um grande desafio para cuidar da saúde mental dos nossos sacerdotes e bispos. A palavra não pode ser calada ou aprisionada.
O ministro ordenado, como é o caso dos presbíteros e bispos, não é um simples funcionário ou executor de organogramas eclesiásticos. Ele é um homem livre para testemunhar e realizar seu ministério sacerdotal e sua missão pastoral em conformidade com as exigências espirituais mais profundas de sua alma e seu desejo de servir a Cristo. O Profeta Isaías (61, 6) nos diz que eles “serão chamados sacerdotes do Senhor, ministros do nosso Deus”.
Nunca se viu cenas como as atuais, com tantas agressões aos padres e bispos em plenas celebrações eucarísticas. Sempre vivemos o lugar celebrativo como sagrado e digno de respeito. Então, podemos nos perguntar se o surgimento da extrema direita fascista seria a única causa do crescimento dessa intolerância. Pelo que temos observado, a resposta é negativa. No próprio meio eclesiástico encontramos padres e bispos, e até cardeais que estão naufragando em navios que são verdadeiras canoas furadas. Os movimentos que pregam práticas pré-conciliares, negando o próprio Concílio Vaticano II, são responsáveis também por esse clima de insegurança, de constrangimento e ausência de paz.
Infelizmente dentro do meio eclesiástico encontramos sacerdotes e bispos que se afastam das orientações da Igreja conduzida pelo Papa Francisco e isso nos faz lembrar o texto de Jeremias (23) relatando a existência de profetas e sacerdotes contaminados, que percorrem lugares escorregadios, que profetizam da parte de Baal e levam ao erro o povo de Israel. Na Samaria, nos diz o texto bíblico, havia muita loucura. Em Jerusalém, muitas coisas horrendas, com profetas cometendo adultérios, caminhando na falsidade, fortalecendo as mãos dos malfeitores, dando a impressão de viverem em Sodoma e Gomorra.
O texto de Jeremias é muito forte ao mencionar os profetas que desviam o povo do caminho santo: “Eis que lhes darei a comer losna e lhes farei beber água de fel; porque dos profetas de Jerusalém saiu a contaminação sobre toda a terra”. E diz ao povo: “Não deis ouvidos às palavras dos profetas, que entre vós profetizam; fazem-vos desvanecer; falam da visão do seu coração, não da boca do Senhor”.
O Papa Francisco em seu retorno da viagem ao Congo e Sudão do Sul disse aos jornalistas que estamos vivendo tempos difíceis, onde “a morte do Papa Emérito Bento XVI foi instrumentalizada por algumas pessoas no sentido de trazer a água para o próprio moinho. Essas pessoas não têm ética. São pessoas de um partido, não da Igreja.
Posturas como a do padre Moacir Pinto nos revelam a necessidade fundamental para os tempos atuais de padres incomodados. Padres acomodados, “normalizados”, “elegantes”, “funcionais ao sistema”, que fazem homilias que servem apenas para agradar os ouvidos particulares sem incomodar as consciências de cada participante, pouco servem ao Evangelho. A Igreja nasceu como caminho envolto no sangue dos mártires, iniciando pelos Apóstolos.
As perseguições atuais podem continuar, porém a Igreja e seus ministros ordenados não podem abrir mão da luta “por dar comida aos pobres” como estão sendo convocados os cristãos nessa Campanha da Fraternidade, e nem lutar contra o “discurso de ódio”. Isso não é comunismo, mas Evangelho. Os Bispos do Brasil, através da CNBB, empenham sua força “para defender vidas ameaçadas como as dos Yaonomami, direitos desrespeitados e para apoiar a restauração da justiça, fazendo valer a verdade. A sociedade democrática brasileira está atravessando um dos períodos mais desafiadores da sua história. A gravidade deste momento exige de todos coragem, sensatez e pronta correção de rumos”.
Por fim, cabe a cada cristão especialmente católico ações de solidariedade e apoio aos ministros ordenados que lutam contra a contaminação do povo, contra o desvio da caminhada evangélica. Do ponto de vista civil, talvez seja necessário constituir uma força com determinadas competências, especialmente jurídica, para aplainar o caminho do direito e da liberdade. Em determinados casos, quando o bom senso não é capaz de solucionar conflitos, o recurso à Lei torna-se o melhor caminho para o restabelecimento da concórdia e da paz. Penso que a maioria das agressões sofridas pelos ministros ordenados esteja na ordem na infração ao Direito. Portanto, caberia às autoridades eclesiásticas pensar no ajuizamento de ações em processos na esfera civil. Internamente, a Igreja também dispõe de seu aparato jurídico constituído como Direito Canônico, que pode ser também utilizado. Não é bom que as comunidades eclesiais abandonem ou deixem sem apoio seus ministros ordenados.
A unidade da Igreja Católica corre risco e por esse motivo todo cuidado é pouco nesse momento desafiador. A comunhão eclesial requer seguir a voz dos pastores conduzidos pelo Papa Francisco. Qualquer injúria, desrespeito ou agressão àqueles que conduzem o povo no caminho do bem deve ser motivo de repulsa da parte de cada fiel. O espaço celebrativo não é assembleia de condomínio ou campo de futebol com torcidas aguerridas.
Edebrande Cavalieri