Os eventos já confirmados, pelo menos por enquanto, seguem mantidos na agenda oficial do pontífice. Entre eles estão a viagem ao Canadá, o encontro com os prefeitos do Mediterrâneo, em Firenze, na Itália, onde ele focará na crise migratória, e o Congresso Mundial das famílias, que se realizará em Roma, em junho. Além disso, será o ano de avaliar se o acordo com a China será renovado mais uma vez.
Na lista, à espera de uma confirmação, são cogitadas visitas à Espanha, Montenegro e uma passagem histórica pelo Sudão do Sul, em companhia de Justin Welby, o líder máximo da comunhão anglicana. No caso do sul do Brasil, que ele prometeu visitar caso vá à Argentina, é possível que ele dê um pulo por lá – se tudo correr bem – em 2023.
O ano de 2021 serviu de preparação para Francisco em todos os sentidos. A pandemia o impulsionou a parar até para tratar a saúde. Aproveitou o período mais tranquilo para realizar a cirurgia no intestino e para focar na melhora da inflamação do nervo ciático, um problema que acompanha o santo padre há anos.
Como refletimos outras vezes, o líder da Igreja Católica, no auge dos seus 85 anos, tem consciência que é a última etapa do seu pontificado. Ele chegou naquela fase na qual começa a pensar em qual cenário ele deixará para o seu sucessor; e é hora de reavaliar, inclusive, qual a sua lista de prioridades, já que a pandemia a redimensionou completamente.
O papa deve pensar no seu sucessor, inclusive. Afinal, muito do que ele decide, hoje, será repercutido a longo prazo.
E é por isso que, de certa forma, ele amarra algumas questões que trarão consequências positivas para o futuro, como no caso das suas reformas canônicas e da própria reforma da Cúria. Tudo converge na luta contra o clericalismo que, na sua visão, é a raiz de todos os males dentro da Igreja Católica. Segundo o pontífice, esse tipo de postura culmina num ciclo vicioso de abuso de poder que, por conseguinte, gera outras formas de abuso.
Nem precisamos ir muito longe para constatarmos que aqueles que instrumentalizam a batina estão imersos numa rede de privilégios e gozam de uma “estabilidade
eclesial” da qual não querem se desfazer. E é por isso que perseguem tanto Francisco. E para ganhar adeptos, usam como artifício de propaganda um “zelo” que, na verdade, não passa de uma artimanha política para manter e alimentar essa mesma rede.
Ao dar um basta às “elucubrações tridentinas”, dos últimos tempos, Francisco atingiu o coração dessas confrarias de perfeitos que conseguiram, de maneira escancarada, transformar uma tradição litúrgica numa igreja paralela, onde só entra quem segue uma determinada agenda – que muitas vezes nem é católica.
E o papa pretende continuar desarticulando esses complôs. Tanto que deu uma atenção especial na própria saúde justamente para ter energia suficiente para levar a cabo seu próprio programa de governo, o qual consiste, justamente, “numa limpeza” das estruturas e dos costumes.
O sínodo da sinodalidade também começará a ganhar corpo, a partir de abril de 2022. Após a consulta das dioceses, será a hora de cada igreja nacional jogar com a própria identidade, e definir se ela se adequa ou não à eclesiologia do povo, do Papa Francisco. Será o momento de o papa averiguar como e onde chegaram os ventos da sua reforma.
Com o instrumentum laboris em mãos, em setembro do ano que vem, elaborado a partir dos resumos apresentados pelas conferências episcopais, Francisco poderá ter um subsídio eficaz para saber onde ainda precisa focar sua atenção.
Portanto, 2022 será um ano que o preparará para decisões cruciais, que poderão mudar os rumos da Igreja Católica e sua forma de atuação no mundo. Com um sínodo com “cheiro de concilio”, como eu gosto de dizer, não poderia ser diferente. Aguardemos.
Jornalista: Mirticeli Medeiros*
Fonte: Dom Total
*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras.