O Regional Leste 3 da CNBB realizou sua Primeira Assembleia do Povo de Deus sob o tema “Comunhão, Participação e Missão: caminho para a Igreja do Brasil”. Intercalando com momentos celebrativos, sob os olhares da Virgem da Penha, refletiu-se sobre a sinodalidade como desafio teológico e pastoral em tempos de amizade social e dedicou-se à escuta dos participantes, especialmente dos Referenciais das doze Comissões Pastorais do Regional, dos coordenadores de pastoral, reitores de seminários e demais segmentos da Igreja. Bispos, padres, leigos e leigas caminhando juntos como prática efetiva da Igreja do Espírito Santo – eis o caminho sinodal.
A constatação fundamental para o caminhar da assembleia é o fato de todos sermos batizados em um mesmo Espírito, formando um corpo, e todos termos bebido de um Espírito (1Co 12, 13). Desta forma, vamos tomando consciência de que os leigos e leigas participam do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, tendo papel próprio a desempenhar na missão inteira do Povo de Deus, na Igreja e no mundo. Esse é o caminho apontado pelo Concílio Vaticano II explicitado na Constituição Apostólica Lumen Gentium.
O Papa Paulo VI dizia que “o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”. Que caminho é esse? Uma sinodalidade que exclui algumas parcelas da sociedade, especialmente os mais pobres, não serve ao Espírito, não expressa comunhão e nem participação. No caminho sinodal devem estar TODOS. Por isso, na assembleia foi muito repetido: TODOS a caminho, TODOS a serviço, TODOS a celebrar, TODOS a buscar, TODOS a anunciar, TODOS na verdade da fé. O sínodo nos convoca para alargarmos as tendas, para que caibam TODOS.
Não se trata de todos fazerem as mesmas coisas. O itinerário do Espírito transforma a Igreja a partir de um só Batismo toda ela ministerial. É preciso ir além da sinodalidade hierárquica dividida em dois grupos: clero e leigos. É preciso recriar dinâmicas participativas para TODO o povo de Deus. Trata-se de uma normativa para a vida eclesial. Muitas vezes em nossa vida eclesial notamos uma concentração de poder ou de funções em determinadas pessoas, padres ou leigos, que impedem dessa forma outras pessoas participarem e se sentirem valorizadas em seu Batismo. O futuro da Igreja e a Igreja do futuro vão depender cada vez mais dos leigos e leigas a partir do sacramento do Batismo.
Muitas vezes, percebe-se grande preocupação de algumas lideranças religiosas ordenadas e não ordenadas com uma ênfase unilateral e excessiva na dimensão doutrinária e jurídica da Igreja. Ainda o Papa Paulo VI dizia que a Igreja de Cristo é chamada pelo próprio Cristo a uma “reforma perene”, permanente. Trata-se de reformar pessoas e a própria instituição, conversão não apenas da pessoa individualmente, mas da própria comunidade, da própria paróquia, da própria diocese. É tarefa permanente. As transformações institucionais muitas vezes dependem de mudanças jurídicas e normativas. Muitas vezes nos atrapalhamos com a crença de que “sempre foi assim”. E resistimos às mudanças. Contudo, a Igreja está na dinâmica histórica e não apenas no mistério da salvação. A norma não pode servir como impedimento para as mudanças que se fazem necessárias a partir da escuta do Espírito.
Há um risco de se entender a conversão apenas como uma ideia, que se torna com muita frequência numa fé ideologizada, fundamentalista e subjetivista. A conversão que se espera numa Igreja sinodal deve repercutir no caminho pastoral. Deve ser uma conversão pastoral integral. Os novos tempos exigem da Igreja enquanto povo de Deus esse processo.
Desta forma, a conversão pastoral integral integra de maneira radical uma conversão sociopolítica. Nesse sentido, o Relatório Síntese do Sínodo nos exorta como Igreja um comprometimento com a “denúncia pública das injustiças” perpetradas por indivíduos, governos e empresas e engajamento ativo na política, nas associações, nos sindicatos e nos movimentos populares, “sem qualquer discriminação ou exclusão de quem quer que seja”.
A conversão integral da Igreja inclui também a conversão cultural, constituindo uma nova cultura sinodal capaz de orientar a vida e a missão da Igreja. O relatório síntese nos fala do “rosto de uma Igreja sinodal”, “novo modo de ser Igreja que articula comunhão, missão e participação”. Nesse sentido, trata-se de uma valorização forte das diferenças culturais presentes na Igreja e do envolvimento de todos. O processo de conversão cultural inicia-se com a adoção de uma linguagem litúrgica mais acessível a cada cultura, ao homem de hoje, mais incorporada à diversidade das culturas. Até que ponto a Igreja hoje é luz no mundo da cultura? Como estamos construindo uma pastoral da cultura?
Por fim, não é mais possível tratar da conversão integral sem considerar a conversão ecológica. O grito da terra e das águas ecoa a cada instante em nossos ouvidos. Estamos ouvindo? Ou somente sabemos reclamar do calor que queima nossos corpos? Não basta ficar gritando contra o calor se continuamos a secar os rios, a derrubar matas, a jogar lixo sobre a terra, a devastar nossos rios com práticas mineradoras. Confessamos nossos pecados ecológicos? A destruição da criação de Deus talvez seja o maior pecado que a modernidade cometeu com a revolução industrial, com a colonização dos territórios, com a produção do desenvolvimento que vai destruindo e envenenando nossas terras. Cada um de nós é corresponsável na destruição das matas e dos rios.
Parafraseando Lucas 11, o sangue de todos os profetas derramado desde a fundação do mundo também é o sangue das florestas e dos rios; e esse sangue todo será requerido por Deus no fim dos tempos. Desta forma, uma Igreja sinodal sempre andará de mãos dadas com os pobres e excluídos que vão derramando seu sangue no dia a dia, e também com o mundo, nossa casa comum. O grito dos pobres também é o grito forte das matas e dos rios, dos animais e da vida.
Edebrande Cavalieri