PRAEDICATE EVANGELIUM COMO REFORMA DA IGREJA

25 março, 2022

No último dia 19 de março o Papa Francisco publicou a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, fruto de um trabalho de nove anos, e que entrará em vigor no dia 5 de junho na solenidade de Pentecostes. Auxiliado por uma Comissão de Cardeais, ele encaminhou o processo de reforma que era anseio do colégio de cardeais que o elegeu. Antes de sua eleição ele dizia que o futuro Papa deveria ser “um homem que, a partir da contemplação de Jesus Cristo e da adoração a Jesus Cristo, ajude a Igreja a sair de si rumo às periferias existenciais, que ajude a ser a mãe fecunda que vive da doce e confortadora alegria de evangelizar”.

Esse era um dos quatro pontos que o Cardeal Bergoglio falava aos cardeais das Congregações Gerais antes do conclave. Ainda ele enfatizava o zelo apostólico no sentido da evangelização, ajudando a Igreja a sair de si mesma para evangelizar superando a autorreferencialidade, pois a Evangelização não é obra de se dar glória uns aos outros vivendo em si, de si e para si mesma.

Em momentos anteriores, alguns Papas enfatizaram o trabalho da Cúria na Secretaria de Estado como o fez o Papa Paulo VI ou no reforço aos poderes legislativos e administrativos como fez o Papa João Paulo II. O Papa Francisco mostra que as ideias do teólogo Yves Congar, há cinquenta anos atrás, são o grande desafio para as reformas desejadas pelo colégio de Cardeais.

Nesse sentido ganha importância fundamental o primado da caridade e da pastoralidade na forma de evangelização, a preservação da comunhão em tempos tão difíceis como os atuais, a paciência e respeito pelos atrasos necessários e fundamentais no caminho da sinodalidade e a preservação dos princípios da tradição cristã que edificaram a Igreja nesses dois mil anos que lhe dá nova vitalidade para superar os diversos tipos de tradicionalismos tão presentes nos dias de hoje.

Em 250 artigos a Constituição Apostólica não apenas descreve e legisla sobre os modos de caminhar da Cúria Romana, mas sinaliza para toda a Igreja espalhada pelo mundo a fora como ela deve se organizar tanto nas estruturas como em sua vida pastoral. Assim, em seus primeiros artigos descreve de início o primeiro dever da Igreja de Cristo que é “pregai o Evangelho”. E logo sinaliza o primeiro desafio que é a conversão missionária da Igreja. A reforma da Cúria está inserida nesse contexto.

Trata-se de uma reforma em vista da missionariedade da Igreja. E em seu artigo 4º remete a reforma para o mistério de comunhão da Igreja. Em seguida, descreve como elementos fundamentais e concretos na comunhão o caminho sinodal e colegial. A constituição apostólica eleva esses dois princípios constitutivos – sinodalidade e colegialidade – como elementos obrigatórios no caminhar missionário da Igreja.

A Constituição Apostólica em si mesma expressa a Reforma da Cúria Romana, contudo seu sentido mais importante é o que ela aponta para toda a Igreja espalhada pelo mundo. A Cúria está organizada para atender o Papa e todos os Bispos do mundo inteiro. Trata-se de um corpo de serviço em sentido missionário e não apenas burocrático. Sendo assim, o caminho a ser trilhado está na experiência prática da sinodalidade e da corresponsabilidade pastoral.

De maneira particular, podemos dizer que as Cúrias diocesanas do mundo inteiro deverão caminhar de maneira sinodal com a Cúria Romana, a serviço da Igreja particular. Há uma implicação recíproca no empenho missionário entre todas as Igrejas particulares e a Igreja de Roma presidida pelo Papa. Dessa forma, a Constituição Apostólica ganha um sentido muito profundo e bonito, muito além da determinação legal.

Principais pontos que chamam a atenção e merecem destaque nessa Constituição Apostólica são:

  1. Unificação das nomenclaturas de Congregações e Pontifícios Conselhos para Dicastérios reduzidos a dezesseis coordenados por Prefeitos. Todos gozarão da mesma dignidade jurídica e poderão ser dirigidos por leigos.
  2. Temos como pano de fundo da Reforma descrita pela Constituição Apostólica uma Cúria a serviço do Papa e dos Bispos, em uma Igreja em saída missionária.
  3. Os leigos e leigas poderão assumir papéis de responsabilidade e de governo dentro da Igreja. O grande desafio será o rompimento da postura clericalista que prende determinadas funções em razão de alguma ordem hierárquica. Assim, se o prefeito e o secretário de um dicastério forem bispos, isso não se deriva de seu grau hierárquico. O ofício é o mesmo sendo exercido por um bispo, um padre ou um leigo. O poder de governo na Igreja não provém do sacramento da Ordem, mas da missão canônica.
  4. Há uma grande valorização dos mecanismos de proteção de menores, chaga de inúmeros sofrimentos. Está situado no Dicastério para a Doutrina da Fé tendo por objetivo “fornecer ao Romano Pontífice conselho e assessoria e propor as iniciativas mais adequadas para a proteção de menores e pessoas vulneráveis”.
  5. Aumento da autonomia das dioceses em vários setores, especialmente no que se refere à nulidade de matrimônios.
  6. É criado o novo Dicastério para o Serviço da Caridade (Esmola Apostólica) que cumpre a função de realizar a assistência e ajuda em qualquer lugar do mundo aos mais necessitados, especialmente das periferias geográficas. É “expressão especial de misericórdia e, a partir da opção pelos pobres, pelos vulneráveis e pelos excluídos, realiza o trabalho de assistência e ajuda em qualquer parte do mundo” (Art. 79).
  7. Criação de um grande Dicastério para a Evangelização, presidido pelo Papa, reunindo a Congregação para a Evangelização dos Povos e o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.
  8. Muito significativo é o Dicastério para a Cultura e a Educação, reunindo o Pontifício Conselho para a Cultura e a Congregação para a Educação Católica.
  9. Extinção da prática da vitaliciedade em cargos ou funções. Oficiais clericais e membros dos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica terão cinco anos de serviço na Cúria, prorrogado por mais cinco anos, com retorno imediato após esse período para suas dioceses. Afasta-se dessa forma o risco de se ter pessoas durante muito tempo em posições de governo desenvolvendo verdadeiros centros paralelos de poder. A rotatividade traz novas ideias, novas capacidades, novo dinamismo, nova abertura.

Por fim, podemos sinteticamente dizer que a nova Constituição Apostólica Praedicate Evangelium nos apresenta uma estrutura mais simples, enxuta, mais adequada aos tempos atuais, trazendo como referência central o princípio de todo cristão como um discípulo-missionário envolvendo leigos e leigas em papéis de governança e responsabilidade. Os grandes destaques ficam pelo foco na Evangelização, no Serviço da caridade, na proteção dos menores e vulneráveis, na cultura e educação. O Papa Francisco mostra com essa grande reforma sua fidelidade aos anseios do colégio cardinalício que o elegeu. Ao mesmo tempo aponta para toda a Igreja os rumos da Igreja para os próximos anos, fazendo reflorescer as esperanças e expectativas do Concílio Vaticano II.

Edebrande Cavalieri

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