Vania Reis
Assistimos de certa forma atônitos o triste espetáculo da invasão da sede do Congresso Americano por radicais, apoiadores de Trump, que tentavam impedir a certificação do resultado da eleição dando a vitória ao Presidente Joe Biden e que resultou em quatro mortos. Não tem como negar a incitação do Presidente Trump no processo. As consequências virão.
Várias análises podem ser feitas, mas vamos despersonalizar parcialmente a figura do Trump e focar na categoria em que ele se colocou: uma pessoa que não sabe perder. Trump não só não soube perder como criou uma narrativa para evitar se confrontar com um fato simples: ele errou. Quando Trump tinha o programa de televisão que o fez famoso, demitir sem piedade quem errou era a sua marca. A história de vida de Trump mostra que ele já viveu diversas vezes fracassos, mas lidar com um fracasso frente ao mundo todo, para a autoimagem dele é absurdamente crítico.
As defesas emocionais comuns aos que escolhem esse caminho são várias. Vamos pinçar duas:
É muito comum às pessoas emocionalmente frágeis se protegerem com defesas emocionais rígidas. Com o passar do tempo essas pessoas vão se tornando inflexíveis, se irritam com qualquer tentativa de rever suas posições. Reagem cada vez mais forte, de forma a repelir os que se aproximam com uma visão de mundo diferenciada. Pela agressividade se defendem e comportam-se facilmente como “ogros”, sem qualquer sentimento de culpa, por suas ofensas.
É igualmente comum às pessoas soberbas ter uma autoestima frágil. Para se protegerem, se apoiam em poder e símbolos de poder externos. Por ser um “recurso externo”, temem perder esse poder, pois sem eles a pessoa se desnuda. Não sabem perder pois não sabem conviver com as suas fragilidades. No caso do Trump a irracionalidade gerada pelo medo da eminente perda de poder o fez criar a narrativa de fraude, que coloca no outro o problema. Cercado por pessoas que igualmente se sustentam com a mesma lógica, não houve voz dissonante que tivesse permanecido no poder, ao seu lado. Sem voz moderadora por perto, Trump acreditou na narrativa que ele criou. Uma suposição nos primeiros momentos da apuração, que poderia ser razoável, foi ganhando força de “escudo do seu fracasso” e tornou-se tão fora da realidade que passou a ser doentio. Há uma frase muito conhecida entre os alunos de psicologia que delimitam jocosamente o limite entre a neurose e a psicose: “O neurótico é aquele que cria castelos; o psicótico é aquele que vive neles”. Trump passou a “morar” em sua fantasia.
Mas, deixemos de lado essa linha de análise. Não é o nosso foco.
Qual foi o erro conceitual de Trump? Aponto um que registro como estratégico: considerar o erro como gerador de fracasso. A história humana é fruto de uma imensidão de erros e de suas consequentes aprendizagens. É com os erros que, uma vez revistos e reconsiderados pelo processo de aprendizagem, nos permitem os saltos em desenvolvimento. Só errando 999 vezes que Thomas Edison foi capaz de descobrir como fazer a lâmpada elétrica. Para reconhecer que errou, Trump teria que ter humildade. Sua estrutura emocional não deu conta de abrir essa brecha, então só resultou culpar o outro ou o “establishment”. Ser humilde, há muito, não é opção para Trump.
Sei que você vai me dizer: mas perder não é bom mesmo! Claro, todos queremos fugir de erros, aí vamos para a segunda falha estratégica do presidente americano: não conseguir conviver com pessoas e vozes não-espelho, ou seja, com quem não pensa como ele. Precisamos de uma visão abrangente para analisar um problema. Se olho só para um aspecto, não avalio as possibilidades e riscos que são de outro aspecto que não estou vendo. Se não tenho essa visão abrangente, minha possibilidade de errar é bem maior. Os arrogantes, os “ogros”, precisam de certezas, essas reforçam o poder deles, quando vão se tornando mais rígidos, não suportam que apontem o que ele não vê e assim ele descarta a visão do outro.
E é aí que saio da metáfora que a invasão do Congresso Americano nos proporcionou e vou para nossas famílias. A polêmica criada entre “o nós” e “o eles” no Brasil trouxe a discussão dos extremos para dentro de nossas casas. Convivendo mais de perto por causa da pandemia, os conflitos ampliaram. Para preservar os afetos, os guardiões da paz de cada família impuseram regras de “convivência” mútuas. Assim no Whastapp, por exemplo, muitas famílias acertaram que nenhum membro da família pode falar de temas polêmicos (em especial política). Por outro lado, empresas como Facebook, Google e outros fazem suas operações comerciais com as nossas informações e os algoritmos mandam notícias em cima de nossos interesses. Desta maneira, cada vez mais são desligadas as vozes dissonantes do nosso cotidiano. Reforçados pelos dois lados (proibição de discutir problemas e reforço diário de minhas opiniões), as pessoas, cada vez mais, se tornam mais convictas de suas posições, assim se tornam mais rígidas, mais irritáveis e intolerantes, pois não criam espaços para o contraditório, opiniões divergentes, que não espelham o que a pessoa sente, afinal “Narciso acha feio tudo que não é espelho”.
Poucos são espiritualizados bastante para, sem maiores elaborações, entender e aceitar que perder pode ser até muito bom. A grande preocupação é que a radicalidade passe a moldar nossas mentes, e assim diminuir nossa capacidade cognitiva e nos tornar menos felizes. Outra frase bem conhecida: O importante não é o erro é o que você faz com o erro. A experiência do fracasso pode me fazer crescer ou me abater e jogar na lona: a escolha é sua!