Vania Reis |
Muitas vezes estamos tão acostumados a ver uma realidade que não prestamos mais atenção a ela. Ela vira o que a psicologia da percepção chama de “fundo”. Figura e o fundo são dois componentes da nossa percepção e nos ajudam a distinguir um objeto. Figura é quando delimitamos os contornos de algo e assim este é visto com mais nitidez, se destacando do restante da imagem. O fundo é o resultante deste processo. Ao se perceber algo como “fundo” este é cada vez mais indistinto, menos visível porque é na “figura” que fixamos nossa atenção. Para muitos a realidade pandemia e sua catástrofe em todo mundo, já virou uma realidade “fundo”.
As pessoas deixaram de olhar ao seu redor e a atenção, de muitos, foi para a política. Não nos importa aqui avaliar as discussões, os fantasmas pelos quais se dão as disputas que estão acontecendo neste confronto para saber quem está vendo a realidade de forma correta. O foco de atenção está sendo deixado de lado com realidades que gritam por socorro, não sendo ouvidas. O que queremos aqui é colocar luz para o grito que vem desta realidade “fundo”: a fome, a necessidade, a carência que está abrangendo pessoas que nunca precisaram de auxílio.
A sociedade é uma máquina com engrenagens que se multiplicam na complexidade. Com a pandemia emperrou-se parte das engrenagens, rapidamente surgiram novos atalhos e a roda continuou a girar, agora rangendo. O esforço descompensado fez danificar outras engrenagens menores e a falta de renda começou a estrangular todas. Vamos pôr foco em algumas “engrenagens” de uma pequeníssima parcela deste todo, para ouvir mais de perto, esse abafado grito por misericórdia.
Muitos idosos morreram, muitos destes pensionistas sustentavam outros dependentes sem condições de sustento. O atestado de óbito exige que se informe o número da inscrição do INSS. Como consequência, em 30/60 dias, no máximo, o benefício é cortado e, mesmo que haja a quem se deva transferir serão no mínimo 6 meses (quando não dois anos), para o novo benefício ser concedido. Muitos perderam seu sustento e suas famílias têm que recorrer à ajuda externa. Familiares ou amigos que em outros tempos poderiam ajudar hoje estão sem renda ou esta está muito reduzida. Dividem o pouco e todos ficam ainda mais carentes.
Mais sério ainda: muitas crianças, adolescentes e pessoas com necessidades especiais que se enquadram como com deficiência ou cadeirantes de todos os tipos, estão sozinhos enfrentando o drama de ver quem toma conta dela, de ver pai e da mãe com Covid-19, como é o caso de famílias da Pestalozzi em Santa Teresa. Pegando concretamente como exemplo algumas destas famílias para representar a engrenagem final da nossa sociedade que descrevemos acima, temos famílias que hoje não conseguem mais comprar fraldas para seus filhos e acabam por deixá-los, por exemplo, em cima de uma toalha no chão, por não verem outra saída. Temos crianças cujos pais não estão conseguindo comprar os remédios que seus filhos tanto precisam para não sofrer! Vemos muitas outras que estão dependendo de caridade para não passar fome. Muitos se envergonham de pedir ajuda.
No pano de fundo deste microcosmo da nossa sociedade, existem muitas pessoas passando por muitas necessidades, que simplesmente não estão sendo vistas. Vemos isso lá e vemos isso aqui do nosso lado. Há muitos envergonhados de pedir ajuda.
Não adianta esperarmos pelas autoridades, o foco deles, na melhor das expectativas, está nas macro engrenagens e vão custar a retornar o olhar aos pequenos. Temos que partir, sem demora, para a ajuda aos muitos de nós que estão passando fome! Temos que ajudá-los a carregarem as suas cruzes. Está pesada demais!
Eu imagino a alegria que o cireneu Simão sentiu quando descobriu que ajudou o Filho de Deus, em sua missão. Ajudar Deus a carregar sua cruz…quanta honra! Olhe à sua volta, seja um Simão para alguém em necessidade, ajude a carregar a cruz de Cristo em seu próximo! Não queira ser Pilatos!
Boas ações, boa Páscoa!