
Ex 33,7-11; 34,5b-9.28 // Sl 102 // Mt 13,36-43
*Homilia preparada para as irmãs Missionárias da Caridade
O bem-aventurado Moisés tinha a nobre missão de ser o mediador entre Deus e o povo. Na Tenda da Reunião era ele que entrava. O povo permanecia do lado de fora, na expectativa, enquanto a coluna de nuvem baixava e ficava parada à entrada da Tenda. Junto com Moisés, estava o seu jovem ajudante Josué.
“O Senhor falava com Moisés face a face, como um homem fala com seu amigo” (Ex 33,11). Depois, Moisés comunicava ao povo as mensagens divinas. Também fazia o inverso, levava até o Senhor as demandas do povo, frequentemente suplicando misericórdia.
Entretanto, não é tão fácil aceitar que um possa falar com Deus enquanto os outros não. Nos tempos modernos, essas funções especiais, esses ministérios diferenciados, têm sido muito questionados. Na Reforma Protestante, por exemplo, foi amplamente questionada a Hierarquia da Igreja e o próprio sacerdócio ministerial foi posto em xeque. Por que o sacerdote teria alguma prerrogativa que eu não posso ter? Por que ele poderia conceder o perdão em nome de Deus? Por que somente ele poderia consagrar o pão e o vinho? Não somos todos iguais perante Deus?
Esses questionamentos foram ganhando adeptos em massa nos últimos séculos. O Papa Francisco, na Carta Encíclica Lumen Fidei (n.14), escreve assim: “Na fé de Israel, sobressai também a figura de Moisés, o mediador. O povo não pode ver o rosto de Deus; é Moisés que fala com Jahvé na montanha e comunica a todos a vontade do Senhor. Com esta presença do mediador, Israel aprendeu a caminhar unido. O ato de fé do indivíduo insere-se numa comunidade, no « nós » comum do povo, que, na fé, é como um só homem: « o meu filho primogênito », assim Deus designará todo o Israel (cf. Ex 4, 22). Aqui a mediação não se torna um obstáculo, mas uma abertura: no encontro com os outros, o olhar abre-se para uma verdade maior que nós mesmos. Jean Jacques Rousseau lamentava-se por não poder ver Deus pessoalmente: ‘Quantos homens entre mim e Deus! Será assim tão simples e natural que Deus tenha ido ter com Moisés para falar a Jean Jacques Rousseau?’ A partir de uma concepção individualista e limitada do conhecimento é impossível compreender o sentido da mediação: esta capacidade de participar na visão do outro, saber compartilhado que é o conhecimento próprio do amor”.
Para aceitar a mediação é necessário ter um grande sentido de Comunidade, de pertencimento a um “nós” que é muito maior do que o “eu”. Mas não me refiro a uma coletividade qualquer, mas à Igreja como um todo. Nem os indivíduos sozinhos nem as pequenas agremiações podem erigir-se em grandes autoridades.
Certa vez, um grupo de pessoas na Alemanha iniciou um movimento que se chamava “Nós somos a Igreja”. Este grupo pretendia tomar decisões e chegar a suas próprias conclusões de doutrina independentemente da Sagrada Hierarquia ou dos dogmas já estabelecidos. Falando a um grupo de seminaristas alemães, em 2011, o Papa Bento XVI abordou a questão: “Quando dizemos ‘nós somos Igreja’, dizemos certamente a verdade: somos nós, não uma pessoa qualquer. Mas o ‘nós’ é mais amplo do que o grupo que o está dizendo. O ‘nós’ é a comunidade inteira dos fiéis: os de hoje e os de todos os lugares e de todos os tempos. E não me canso de repetir ainda: é verdade que, na comunidade dos fiéis, existe por assim dizer o juízo da maioria efetiva, mas não pode jamais haver uma maioria contra os Apóstolos e contra os Santos: isso seria uma maioria falsa. Nós somos Igreja. Pois bem, sejamo-lo! Sejamo-lo precisamente no abrirmo-nos ultrapassando-nos a nós mesmos e no estarmos juntos com os outros”.
Enfim, o fato é que na Igreja de Cristo, existe diversidade de carismas. Existem ministérios específicos com suas funções e competências próprias. Tudo ordenado para o bem da coletividade dos fiéis, para a catolicidade, por assim dizer. Estamos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus” (Ef 2,20).
É necessário entender isso. Eu não sou o dono da verdade. Eu não sou maior que a Igreja de Cristo. Eu sou uma pequena parte da grande família de Deus: a Igreja. Formo, junto com a multidão dos batizados, um único Corpo místico (cf. 1Cor 12). E isso é bom; é libertador; é agradável. Somente o orgulho pode fazer com que um indivíduo se rebele contra o todo.
Numa Comunidade cristã também é assim. Nem todos têm as mesmas funções. Mas não é para haver disputas nem ciúmes nem invejas. É para haver ordem e paz. Aceitemos o nosso lugar na Igreja, cheios de gratidão e louvemos ao Senhor por sermos membros de Seu Povo escolhido.
Por exemplo, no Evangelho, o Senhor Jesus informa que no fim dos tempos, serão os anjos a fazer a separação entre o joio e o trigo. Deixemos então para eles este encargo. Deveríamos perder menos tempo disparando sentenças contra os irmãos ou sabotando alguém. Essa missão é dos santos anjos, não dos homens pecadores. A nosso é outra; e cada um conhece bem a sua.
*Pe. Ricardo Petroni Smiderle Passamani