O momento atual está anestesiado com tantas notícias bombásticas que no mundo cristão católico quase passa desapercebida a 34ª viagem internacional do Papa Francisco ao coração da Europa, visitando os países Hungria e Eslováquia. Nesses lugares dois fatos nos chamam a atenção como agenda: o encerramento do Congresso Eucarístico Internacional em Budapeste e a memória das terras e dos povos feridos até a morte em função dos regimes nazista e comunista que reprimiram violentamente a fé cristã, acabando com a liberdade religiosa, e levando bispos, sacerdotes, religiosas e leigos encarcerados, torturados, martirizados. Muitos padres só conseguiram ser ordenados de maneira secreta nos porões das indústrias naqueles tempos sombrios.
Esses dois fatos – homenagem à Eucaristia e memória dos mártires – são indissociáveis na história da Igreja desde seus inícios nos tempos apostólicos. Quem não lembra das celebrações que os primeiros cristãos realizavam às escondidas nas catacumbas?! A Eucaristia sempre foi o alimento que fortalece a caminhada do povo de Deus. Essa força está exatamente na dimensão do memorial da Paixão de Cristo com a realização da última ceia.
A Eucaristia é força para a caminhada do povo e por isso ela é conhecida como “comunhão”. Ao receber a Eucaristia não estamos realizando um ato isolado de uma devoção espiritualista, isolada do mundo, mas em comunhão com o mundo, com o nosso entorno, com nossa rua e nossa cidade. A celebração do Congresso Eucarístico nessas terras se reveste da memória de martírios, de dores, muitas dores.
E vejam como se conclui essa viagem do Papa Francisco: termina com a invocação orante a Nossa Senhora das Dores que nos últimos tempos sofreu tanto com as dores promovidas e provocadas por regimes totalitários, antidemocráticos. Essa invocação é realizada no Santuário Nacional de Sastin quando o Papa suplica: “Nossa Senhora, curai com a vossa doçura as nossas feridas”.
Nessa viagem marcada pela espiritualidade, chama-nos a atenção o olhar de Francisco para os jovens eslovacos. E lhes diz que é preciso originalidade para rebelar-se contra a cultura do provisório. É preciso ir além do instinto e do instante e amar por toda a vida. Estamos formando uma sociedade que cada vez pensa mais em si e no instante.
Então Francisco convoca os jovens para que “sonhem formar uma família, gerar e educar filhos”. O aprisionamento ao instante, ao imediato, ao instinto, leva as pessoas a não enxergarem nada além de si mesmas, dos próprios interesses e necessidades. Sem romper o aprisionamento de si mesmo absoluto e passar para “uma vida inteira partilhando tudo com outra pessoa”, vamos nos tornando cada vez mais perversos.
Ainda dá aos jovens outro conselho, muito necessário nos tempos dos instantes e das necessidades. “Não esqueçam de suas raízes”. As raízes da juventude estão enraizadas na família, com pais e avós, que prepararam o terreno. E pede aos jovens para que busquem encontrar seus avós, estar perto de seus pais, ter tempo para ouvir suas histórias.
Hoje há um grande risco de termos uma sociedade desenraizada. A família não é apenas uma questão de cunho moral ou agenda política, mas é constitutivo fundamental da sociedade e vai muito além das figuras de pai e mãe. As gerações passadas nos constituem assim como as futuras serão constituídas por nós. Somos corresponsáveis nesse processo. Sem raízes as plantas secam, as gerações desaparecem.
O terreno para o enraizamento está na mensagem cristã que é o amor de Deus encarnado. É a entrega do seu Filho, morto na cruz para a salvação do mundo. É a partir desse fundamento que iremos construir uma sociedade mais solidária e menos perversa. E conclui o Papa: “O amor é fidelidade, dom, responsabilidade”.
Edebrande Cavalieri