Verdade ou mentira?

21 maio, 2021

Vania Reis

Vania Reis

Temos assistido (os que têm paciência), um debate na CPI da Pandemia, que nem sempre transcorre dentro do equilíbrio que seria desejável, e que, muitas vezes, parece mesmo apenas um palanque eleitoral. Mas há quem seriamente busque entender o que está acontecendo na gestão da pandemia para evitar mais mortes.

Nos debates é frequente ouvir: “Isso é mentira!”, “Você está faltando com a verdade!” Quando assistimos ao interrogatório (desapaixonadamente), vemos o interrogador dizer: “você não respondeu ao que eu perguntei”, e o interrogado reafirmar sua resposta (já dada e não “reconhecida”). Porque aquele que pergunta não  “entende” ou não reconhece uma resposta dada como resposta? Por que acredita ser mentira o que é diferente do imaginado?

Vamos tentar entender, analisando estes questionamentos, partindo do princípio de que não há má fé, de nenhum dos lados, quando fazem as acusações acima. Então fica a pergunta: como pode uma realidade ser vista de forma tão diferente ?

Para responder, primeiro temos que analisar os conceitos básicos:  o que é uma mentira e o que é uma verdade?  Essa é uma discussão filosófica sem fim. Em termos gerais,  verdade é aquilo que permanece inalterável a quaisquer circunstâncias. Concordando com essa afirmativa estão os que pensam como René Descartes, o “pai do Racionalismo”, afirmando que “a certeza é o critério da verdade”. Mas, os pensadores do extremo oposto, como Nietzsche,  acreditam que a verdade “é um ponto de vista”.  Já na concepção dos pensadores como Aristóteles e São Tomás de Aquino a verdade é a adequação entre aquilo que se dá na realidade e aquilo que se dá na mente.

Se é discutido o que é verdade, poucos discordam de seu oposto: a mentira; onde a pessoa altera ou dissimula deliberadamente aquilo que ela reconhece como verdadeiro, transmitindo uma informação enganosa como se fosse verdadeira. Na doutrina cristã, assim como em toda nossa sociedade, mentir é uma falta grave e de um modo geral associado ao que é mau, maligno e indigno. Assim ninguém aceita ser chamado de mentiroso!

Vamos chegar mais perto. Então a verdade é algo fixo, imutável, percebido por todos de forma igual a ponto de nos dar certeza? A neurociência nos mostra que não. Mostra que o “penso logo existo” de Descartes precisa ser substituído por “sinto, por isso penso, logo existo” (leia entre outros o livro “O erro de Descartes” de Antonio Damásio). O erro a que Damásio se refere é o de que o pensamento, para ser preciso, necessita uma aproximação da realidade racional, distante, apartado do corpo. Damásio demostra que com a ausência dos sentimentos e das emoções a racionalidade pode ser destruída. Ele, entre inúmeros neurocientistas, comprova que são as emoções as reais balizadoras do comportamento racional.

Apesar das muitas descobertas da neurociência, o funcionamento da nossa mente é para muitos de nós algo muito pouco conhecido e um terreno muito escorregadio ainda. Apreendemos uma realidade, captamos seus significados, fazemos inferências a partir de nossas vivências. Pegando emprestado a terminologia da saúde, não há percepções “estéreis” elas sempre são “contaminadas”, ou melhor dizendo são impregnadas de nossos sentimentos, emoções e crenças. Não existe neutralidade.

Na CPI é o que estamos assistindo. Tirando os que podem estar de fato tentando manipular conscientemente o desentendimento/ a contestação, outra parte pode não conseguir perceber que o interrogado, por exemplo, respondeu ao questionado, porque suas percepções, crenças, sentimentos e emoções esperavam captar outra realidade. Assim sendo, recusando-se inconscientemente a captar “racionalmente” a situação. Nosso cérebro tem dificuldades em processar informações que acreditamos não serem possíveis, devido aos nossos referenciais internos. Nossas crenças bloqueiam nossas percepções.

Vou dar um exemplo. Procuro sem parar a chave do carro, me desespero porque não acho e quando peço ajuda a alguém(que não tem as minhas referências internas), a pessoa acha a chave e descubro que ela estava “bem na frente do meu nariz” e eu não a via. Meu cérebro se recusa a ver determinadas situações por sua vinculação com meus padrões emocionais mais complexos. Neste exemplo, posso inconscientemente não estar querendo sair de casa, por exemplo.

Diante da brevíssima exposição, podemos descortinar que a verdade cartesiana se aplica a apenas alguns aspectos das nossas percepções. Querer respostas ”sim ou não” para todas as perguntas e não permitir a contextualização é aprisionar a verdade. Voltando a São Tomás, “a verdade é a adequação entre aquilo que se dá na realidade e aquilo que se dá na mente”. Ninguém discutirá se um círculo é um quadrado. Mas muitos poderão deduzir, não necessariamente de forma correta, que o interrogado está mentindo. A verdade não é o que quero ouvir, nem a mentira é o que não consigo ouvir. Preciso abrir a minha mente para ouvir a perspectiva do outro, a contextualização do que está na mente do outro, para então entender se ele ou ela está dizendo a verdade ou, deliberadamente, a falseando.

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